O Eterno Otimista
A função dele era ser o eterno otimista. O gajo que dizia sempre que as coisas iam correr o melhor possível, e que explicava porquê, econtrando essa explicação entre suposições e aquilo a que por falta de termo melhor se deu o nome de pensamento positivo. Quando se olhava ao espelho da mente, quando pesava os prós e os contras dessa sua condição, a conclusão a que chegava era sempre igual. Seja, suspirava. Alguém tem de desempenhar esse papel, e se não há mais ninguém pois que seja eu.
Até que o dia chegou em que o peso de tudo o que teve de ficar calado para que ele conseguisse desempenhar o seu papel deixou de se contentar em entortar-lhe os ombros. Começou por uma racha num ladrilho à entrada da cozinha, mesmo junto ao seu pé direito. Depois outra, perpendicular à primeira, que não viu por lhe passar uma tangente aos calcanhares. E de súbito, antes de ter tempo de se dar conta do que estava a acontecer, viu-se soterrado, submerso em camadas após camadas de pensamentos silenciados, os sedimentos de várias vidas, cercado de negrume e poeira.
Tentou gritar, sem sucesso. Tentou empurrar nas nada se movia. Tentou atingir a superfície emitindo raios de desespero, mas se alguns conseguiu produzir foram defletidos pelas rochas e desfizeram-se em ecos intraduzíveis. Acabou por desistir, por se resignar à espera, e foi-se lentamente transformando em fóssil na esperança de que um dia, milhões de anos mais tarde, algum longínquo descendente dos descendentes da sua espécie, acabasse por encontrá-lo e lhe arranjasse um lugar num museu qualquer, com um letreiro a dizer numa língua que nem conseguia imaginar "Fóssil de otimista, antropoceno".
E aquilo que lhe ocupa o espírito é a angústia de não saber como foram os outros capazes de sobreviver sem que lá estivesse ele sempre a dizer que as coisas iam correr o melhor possível, explicando porquê através de explicações encontradas entre suposições e aquilo a que por falta de um termo melhor se deu o nome de pensamento positivo.
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