Stars Seen Through Stone é uma novela fantástica de Lucius Shepard, bastante próxima de temas e abordagens que têm vindo a ser agrupadas sob o chapéu da weird fiction e que têm bastante a ver com o bom velho realismo mágico. O protagonista é um produtor musical que se dedica a descobrir talentos menores numa cidadezinha da Pensilvânia, dono de uma pequeno negócio que mistura a edição de discos com a promoção de espetáculos e a gestão de carreiras. A história centra-se na relação que ele desenvolve com um tal Stanky, uma criaturinha repleta de talento musical mas vazia de quase tudo o resto que compõe um ser humano, na qual vê um potencial enorme e que por isso se esforça por transformar em algo de minimamente palatável para o público.
O fulcro mais profundo da história, porém, não é esse. É o modo como, apesar dos nossos melhores esforços, apesar das nossas escolhas e decisões, apesar dos nossos talentos e de sermos ou não capazes de os desenvolver, a vida sempre tende a confrontar-nos com o inesperado.
E o inesperado, nesta novela, é literal e inexplicável, pois a páginas tantas a cidade é surpreendida por um estranho fenómeno, não se percebe bem se subrenatural, se astronómico ou meteorológico, até mesmo se de origem alienígena (há um certo odor a Encontros Imediatos do Terceiro Grau), após o qual vários dos habitantes se veem tocados por surtos de criatividade ou de formas mais subtis. O protagonista está, talvez, incluindo no grupo dos tocados de forma subtil; já Stanky parece ter sido fortemente afetado e o seu talento explode em qualidade e produtividade. Mas uma velha lenda sugere que o fenómeno talvez se repita em breve, e a cidade fica suspensa dessa possibilidade.
Contada de forma intimista, na primeira pessoa, pelo protagonista, e muitíssimo bem escrita, a novela vale, parece-me, mais por outros aspetos da criação literária do que pela história em si, apesar de também esta ser interessante. Vale pelas personagens, por exemplo, muito bem criadas, muito sólidas, muito tridimensionais. Vale pelo texto. Vale até pelo ambiente, uma vez que consegue transmitir muito bem aquela sensação de provincianismo, de pacatez, de neste-sítio-nunca-nada-acontece que também se encontra nas histórias de Stephen King ambientadas nas suas cidadezinhas do Maine. Até que algo acontece, claro. Algo de extraordinário.
É uma história lenta, que pode aborrecer leitores mais virados para a ação, mas de que eu gostei mesmo muito. Uma ótima história, otimamente contada.
Textos anteriores deste livro:
Sem comentários:
Enviar um comentário
Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de abusadores. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.