terça-feira, 25 de abril de 2017

Se eu fosse francês

Se eu fosse francês, teria votado sem pestanejar em Jean-Luc Mélenchon nesta primeira volta e, apesar da imensa vitória que é um candidato de esquerda ter praticamente 20% na França dos dias de hoje, estaria agora muito aborrecido por não ter sido suficiente para afastar Marine Le Pen da segunda volta. E ficou tão perto! 600 mil votos, num universo de 47 milhões e meio de eleitores, ou até no de 37 milhões de votantes, é quase nada. É já ali.

Se eu fosse francês estaria neste momento muito zangado com Benoit Hamon. Porque Hamon surgiu em público com apelos para a união da esquerda quando as sondagens lhe davam vantagem e assim que se viu que não era ele quem era capaz de mobilizar o eleitorado de esquerda a unidade deixou de lhe interessar. Porque quando percebeu que nunca lá chegaria, em vez de ser consequente com os apelos e desistir, apelando ao voto em Mélenchon, ou mesmo que fosse a uma divisão dos seus votos entre Mélenchon e Macron, continuou teimosamente até ao final. É que somando os dois milhões de votos de Hamon aos sete de Mélenchon este teria sido primeiro e, mesmo que o não fosse, mesmo que só tivesse sido transferida para ele uma parcela minoritária dos votos de Hamon, não haveria agora extrema-direita na segunda volta. E seria assim que se conteria a extrema-direita.

Se eu fosse francês, ainda não teria decidido o voto na segunda volta. Não que houvesse a mínima possibilidade de ir votar Le Pen; essa possibilidade só não é abaixo de zero porque não existem possibilidades abaixo de zero. Mas haveria a possibilidade de ir votar branco, ou nulo.

Se eu fosse francês, entendamo-nos bem, votaria sem pestanejar em Macron se entendesse haver a mais remota possibilidade de Le Pen vencer. Sem pestanejar mesmo sabendo que Macron será um péssimo presidente para a França e para a Europa. Um banqueiro de investimento, adepto da desregulação, do capitalismo selvagem e financeiro, dos acordos comerciais draconianos para os estados e brandos como manteiga quente para com as grandes corporações, é tudo menos aquilo de que precisamos, e o plural aqui existe porque se aplica tanto aos franceses como ao resto dos povos da Europa e do mundo. Com Macron como presidente, e a menos que a paisagem parlamentar melhore muito nas próximas legislativas, França não será um aliado. Pelo contrário: irá continuar a fazer tudo ao contrário do que é preciso, irá continuar a criar todas as condições para o crescimento da extrema-direita.

Se eu fosse francês, mesmo assim, votaria nele se achasse que Le Pen tinha alguma possibilidade de ganhar. Porque fazer tudo para a extrema-direita crescer não é o mesmo de a extrema-direita governar e isso faz toda a diferença.

Se eu fosse francês, no entanto, estaria neste momento bastante seguro de que Le Pen não tem a mais remota possibilidade de vencer. Não só ficou em segundo ainda com todos os candidatos em campo, como não vai conseguir ir buscar votos em quantidade significativa a ninguém, com a notória exceção da direita dita civilizada, área em que mesmo assim Macron leva alguma vantagem. O boneco aqui em cima, roubado aos Ladrões de Bicicletas e resultado de uma sondagem feita no próprio dia das eleições, não deixa quanto a isso a mínima dúvida, e está inteiramente alinhado com outras sondagens feitas em outros momentos.

Se eu fosse francês, portanto, estaria neste momento inclinado a ir na segunda volta às urnas, sim, mas para votar branco ou nulo. Só inclinado, não decidido. Às vezes as coisas mudam significativamente quase de um momento para o outro e eu poderia acabar por me ver constrangido a ter mesmo de votar Macron.

Felizmente, ou talvez infelizmente pois o que os franceses decidirem me afeta diretamente, não estarei sujeito a tais dilemas. É que não sou francês. Sou português. Por isso só posso ficar a assistir de bancada.

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