domingo, 9 de maio de 2004

Fast Fiction? Not for me!

OK, agora que já viram o que saiu da minha tentativa de seguir o "método" da senhora Roberta Allen para escrever ficção em cinco minutos, aqui ficam as minhas impressões da experiência e do conceito. Diz ela que o método origina escrita "espontânea" que ao ultrapassar o "crítico interior" permite à "nossa voz" uma expressão mais completa e o surgimento de "imagens e associações surpreendentes". Que assim a escrita se torna "menos intimidante" e mais poderosa e precisa.

Bem, devo dizer que gosto muito do meu inner critic, thank you very much. É ele que me diz quando a associação surpeendente que me aparece ao correr da pena resulta e quando não resulta. È ele que me diz que uma frase, um parágrafo ou uma história inteira não presta e que há que procurar a voz certa num sítio mais profundo. É ele que me diz "isto tá porreiro, fica", ou "isto tá uma bosta, lixo". É ele que muitas vezes me faz parar, perguntando-me "mas afinal que queres tu dizer com isto?" É ele, enfim, que, ao fim da segunda, terceira, quarta, quinta revisão me diz que uma história está finalmente legível e que se pode tentar publicá-la.

Eu sei que há muita gente que acha que escrever é deixar-se ir, deixar-se levar pelo inconsciente e desnudar a alma, seja isso o que for. Não é. Pelo menos para mim não é. O acto de escrever é um acto pensado e, de preferência, inteligente, em que a comunicação é mais importante que a expressão, e em que a alma, que acaba sempre, de qualquer maneira, por se desnudar um pouco sozinha, fica, mesmo assim tapada. Até porque não há nada mais sedutor do que um corpo mais sugerido do que revelado e o binómio escrita/leitura é, acima de tudo, um acto de sedução.

Ora, em escrita semi-automática, que é o que a srª Allen propõe, não há grande espaço para algo mais do que expressão. Ou então para o aparecimento de coisitas fúteis e descartáveis, capazes de entreter durante menos de um minuto e pouco mais. Isso não é "voz" interior: é apenas pele e um pouco de cosmética a tapar algumas rugas.

Ou seja: fast fiction (e não me refiro à que é lida depressa mas sim a esta, a que é feita depressa) é assim como a fast food da ficção: insípida e não muito boa para a saúde. Prefiro a minha comida lenta. E a ficção também.

Quanto aos cinco medíocres continhos que saíram daquilo, ficam como ideias em bruto. Talvez — é pouco provável mas não impossível — os transforme em slow fiction, de muito maior qualidade, mais tarde. Se isso acontecer, já serviram para alguma coisa.

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