terça-feira, 7 de julho de 2009

And now for something completely different

Já vimos como o twitter pode ser mal utilizado, e os blogues podem servir para dar voz ao que de mais rasca existe na natureza de certos homens, mas para que a lição fique completa vejamos um exemplo do contrário. Começa com um tuito da @canochinha_: "1.ª Guerra Mundial a cores", seguido dum link para este fotoblogue, e mais especificamente para este post.

Não sei qual a origem da cor naquelas fotografias. Podem ser mesmo fotografias a cores, visto que a tecnologia já existe desde a segunda metade do século XIX, mas também podem ser velhas fotos monocromáticas "pintadas" com um qualquer programa moderno de edição de imagem. Ou talvez haja ali uma mistura das duas técnicas. Não sei.

Mas sei que a soma da cor a uma tragédia (ou estupidez) que estamos acostumados a ver a preto e branco lhe dá uma dimensão inesperada.

Aquelas fotos impressionaram-me.

Impressionou-me, antes de mais, o facto de serem retratos dum mundo despovoado. Mesmo quando mostram situações aparentemente quotidianas, ou quando reproduzem grupos razoavelmente numerosos de pessoas, há neles uma sensação de distância e silêncio. Talvez quem viva no campo reconheça essa sensação, mas para nós, os urbanitas que somos quase todos, rodeados de ruídos, movimento e gente vinte e quatro horas sobre vinte e quatro, é algo que se vai tornando cada vez mais profundamente alienígena. Uma Terra esvaziada de gente por um cataclismo qualquer seria muito semelhante àquilo, e não conheço ninguém que tenha descrito essa sensação melhor do que Ballard, nas suas histórias pós-apocalípticas. Acho que foi só agora que compreendi mesmo de onde lhe vem essa qualidade. A guerra que ele experimentou foi outra, e noutras geografias, em princípio muito mais densamente povoadas do que o norte de França ou a Bélgica, pois deverão ser estes os lugares mais representados nas fotografias. Mas é provável que tenha passado pessoalmente por algo de muito parecido.

E impressionou-me o verde. Foi esse o grande impacto que aquelas fotos tiveram em mim. O verde, em imagens que costumo imaginar cinzentas ou, por influência dos campos de batalha mais recentes, de um amarelo esbatido, torna-se insólito. Como que lhes reduz o impacto ao mesmo tempo que o aumenta. Como que diz que independentemente do que os homens façam uns aos outros, movidos por ambição descontrolada ou estupidez igualmente fora de controlo, a vida continua. É quase certo que a maior parte daquelas fotos tenha sido tirada ao som do chilrear das aves.

Por fim, também me impressionou o contraste. Hoje, não há fotorreportagem dos teatros de guerra que não foque a atenção no sangue, no fogo, em cadáveres desmembrados. Ali, só se vêem ruínas, apesar dessa guerra ter terminado com mais de oito milhões de mortes directas e bastante mais de 50 milhões de mortes causadas pela fome e por doenças que a guerra ajudou a tornar mais mortíferas. Não sei se foi escolha propositada de quem faz o blogue — não faltam imagens de mortos na primeira guerra mundial, embora eu não conheça nenhuma que seja a cores — mas se foi, parabéns. Faz com que as de hoje pareçam piores, embora na verdade não o sejam, e acentua a impressão de que nada aprendemos com a história, bem pelo contrário.

É o que acontece a quem é demasiado arrogante para reconhecer os erros que comete. Está condenado a repetir uma e outra vez as mesmíssimas cretinices.

Portugal, globalmente considerado, é assim. E se calhar o mundo também.

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