Hoje, que o planeta comemora os 40 anos da Apollo com um aparato mediático que contrasta com o quase silêncio de há 10 anos, dou por mim algo incomodado. Este post é uma tentativa de perceber porquê.
Em primeiro lugar há o óbvio: todas as histerias mediáticas me incomodam. E embora esta seja bem mais contida e o acontecimento bem mais merecedor do que a vida do Cristiano Ronaldo ou o desaparecimento da pequena Maddie, vejo nela algumas das mesmas características. Não me verão a desabafar com um "Arre! Já chega!" a propósito da Apollo, mas sinto o mesmo incómodo que me levou a fazê-lo relativamente a outros excessos mediáticos, ainda que numa concentração mais diluída.
Mas não é só isso.
A verdade é que nunca fui grande fã do programa Apollo. Sim, o Homem pisou outro corpo celeste, caminhou por ele, deixou lá aparelhos científicos que continuam ainda hoje a fornecer dados, recolheu amostras e trouxe-as para a Terra para serem aqui estudadas. Houve ciência importante a nascer com e do programa Apollo, e houve também desenvolvimentos tecnológicos que nos beneficiaram a todos. Mas a verdade é que nunca foi esse o objetivo primordial. O grande objetivo era, desde o início, militar e de propaganda. O programa Apollo foi filho da Guerra Fria e do facto dos soviéticos terem tomado a dianteira da "conquista" do espaço (até aqui a terminologia é bélica) com o lançamento do Sputnik e a colocação em órbita dos primeiros cosmonautas. O programa Apollo nasceu porque os americanos precisavam de algo espetacular que pudessem brandir, dizendo: OK, vocês fizeram isso, nós fizemos isto, que é melhor. E mais: pôr um pé na Lua era um primeiro passo necessário para eventuais reivindicações territoriais. Nunca chegaram a concretizar-se (pelo menos por enquanto — se a indústria espacial privada se desenvolver o suficiente para conseguir chegar à Lua temos em mãos um problema sério), mas podem ter a certeza de que não deixaram de ser ponderadas por muita gente. Não é certamente por acaso que o Tratado do Espaço Exterior, que proíbe reivindicações territoriais no espaço, foi assinado em 1967, meros dois anos antes da primeira alunagem.
Isso, no entanto, ainda é o menos. O realmente mau é que o programa Apollo é precisamente o contrário do que deve ser feito para desenvolver uma presença sustentada fora da Terra, e isso é o que realmente me interessa quando está em causa a presença do Homem em órbita ou noutros corpos celestes. Como o objetivo era de curto prazo, nunca se pensou a longo prazo. É verdade que se aprendeu a levar gente lá e a trazê-la de volta, mas nada foi feito para pensar em termos de futuras bases, métodos industriais que pudessem funcionar in loco, maneiras de produzir provisões que reduzissem a dependência relativamente ao planeta-mãe, etc. Foi-se apenas lá. Na verdade, assim que a primeira alunagem aconteceu, a NASA começou a reduzir pessoal. O "salto de gigante para a Humanidade" apregoado por Neil Armstrong (e não tenho dúvidas de que ele acreditava realmente no que estava a dizer) não passou dum saltinho. Ter ido à Lua em 1969 é um pouco como se os portugueses tivessem iniciado os seus séculos de exploração e expansão visitando a Madeira apenas para dizer infantilmente aos espanhóis "encontrámos umas ilhas e vocês não, toma-toma!" Cumprido o objetivo propagandístico, resolvidas as eventuais pretensões territoriais com o Tratado do Espaço Exterior, solucionados os problemas políticos, a Lua foi basicamente abandonada. O programa Apollo, que começou em triunfo, terminou quase em fiasco.
Quase. Porque houve algo que o programa Apollo nos deu, algo que não estava nos planos dos políticos e militares que o planearam, algo que na realidade está em completa oposição à filosofia que presidiu a todo o programa, algo que pode ser resumido nesta imagem:
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O nascimento da Terra sobre o horizonte lunar, a visão do lar de todos nós como uma bola azulada a erguer-se sobre um horizonte desolado juncado de crateras, foi uma das mais poderosas sementes dos movimentos pela paz e dos movimentos ecologistas que, embora frequentemente com origens anteriores, começaram a conhecer um aumento rápido na sua adesão a partir dos finais dos anos 60 e nos anos 70. A consciencialização de que todos vivemos no mesmo planeta, e de que este não passa duma esfera que, no grande esquema das coisas, é bastante insignificante, entrou em muitas cabeças a partir destas imagens das naves Apollo. E é este o mais importante legado da alunagem de há 40 anos que comemoramos agora. A alunagem em si mesma, aquilo que ela significou para a exploração do nosso satélite, foi, a longo prazo, mais desapontamento do que triunfo. Mas a mudança não planeada que ajudou a operar no modo como vemos o lugar da nossa espécie no Universo pode conter a chave do nosso futuro.
E é por isso que me sinto ambivalente relativamente ao programa Apollo e mais ainda às atuais comemorações. Não vejo este aspeto a ser referido com a frequência que acho desejável; vejo principalmente triunfalismo, palavras de circunstância sobre a proeza, um fechar de olhos voluntário relativamente às zonas escuras das circunstâncias que a geraram. E isso, essa mitificação do passado, é o primeiro passo para as amnésias voluntárias que tanto mal costumam causar.
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