segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Lido: O Pico de Hubert

O Pico de Hubert (bibliografia) é uma muito distópica noveleta de Telmo Marçal que, numa linguagem dura e rica de oralismos, influenciada pelo policial negro (talvez por intermédio do ciberpunk, embora o conto em si pouco tenha de ciberpunk) visita as vidas de três protagonistas em três histórias interligadas na terceira e ambientadas num futuro próximo em que a civilização humana atingiu aquilo a que o título se refere: o momento em que, por esgotamento das reservas, a produção de produtos petrolíferos do planeta começa a decair. O nome do jogo é sobrevivência. A sobrevivência do indivíduo numa sociedade desumanizada em que as necessidades do coletivo (ou talvez não) se sobrepõem totalitariamente aos apetites de cada um. Seja sob a forma de um centro de concentração de imigrantes clandestinos (e não emigrantes, como erroneamente vem escrito ao longo do texto, numa das falhas que ele contém), típico ambiente de prisão não muito distante das penitenciárias com que contactamos há algumas décadas na ficção americana, e de onde o primeiro protagonista tenta fugir. Seja sob a forma de uma espécie de kibbutz gerido por uma seita religiosa ludita, os "Puros", igualmente castrador, igualmente desumano, igualmente capaz de levar os seus membros a mortes precoces por saírem da linha, e de onde a segunda protagonista vai acabar por ter uma oportunidade inesperada de fugir. Seja nas ruas, num bando criminoso com os seus contactos políticos, a sua hierarquia dominada pela brutalidade do mais forte, o seu território, mais uma vez bem próximo da realidade americana, no qual o terceiro protagonista prospera.

É um bom conto. Bem concebido e bem escrito, numa prosa cheia de verve na qual a maior falha, além da questão da emigração, que deveria ter sido resolvida na revisão, é não se notar uma diferença de voz entre os três protagonistas, que contam as suas histórias na primeira pessoa como se fosse a mesma pessoa a contar as três. E é: o Telmo Marçal. Mas para a noveleta ultrapassar o mero bom este deveria ter tentado encontrar a voz própria de cada uma das suas personagens, e pô-la a "falar" em conformidade. Mas é um bom conto, também por ser uma história distópica que não cede ao final feliz mais ou menos delicodoce que anda agora em voga e se mantém coerentemente distópica até ao fim.

Contos anteriores deste livro:

2 comentários:

  1. Gosto mesmo muito da tua crítica; não porque é genericamente favorável ao contito, mas porque não aponta os respectivos pontos fracos com menosprezo ou antipatia, como tantas vezes tenho visto.

    Telmo Marçal

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    1. Tento fazer sempre isso, pá. Ser justo com as obras. Nem sempre consigo, é certo, mas esforço-me por isso.

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