Três Histórias com Final Feliz (bibliografia) é um livro de contos de Maria de Menezes que rendeu à autora um prémio literário, o Prémio de Revelação APE/IBL de Ficção. Puxando bastante pela cabeça, e tendo em conta o que conheço de uma certa mentalidade das pessoas ligadas ao mainstream literário (hoje em dia um pouco atenuada, felizmente... mas o prémio é de 1991), acho que consigo perceber o motivo do prémio. Mas a verdade é que eu não o teria atribuído, a menos que a competição naquele ano fosse fraquinha.
O prémio, que nunca seria atribuído a um livro de ficção científica que encarasse o género minimamente a sério, por melhor que fosse sob o ponto de vista literário, premeia, acho, duas coisas. A ironia, que em época de pós-modernismo pujante e algo desenfreado é sempre uma mais-valia, em especial se surgir "em diálogo com obras marcantes da cultura popular," (as aspas não são de citação real, são de uma citação perfeitamente possível... pareço eu que estou a ouvi-los), como é o caso, visto que a primeira história como que tem umas conversas com a série Regresso ao Futuro, a segunda com carradas de ficções ufológicas que brotaram um pouco por todo o lado pelo menos desde que Wells (e Welles, há que dizê-lo; Lovecraft também o fez mas de uma forma incomparavelmente menos impactante, pelo menos a princípio) se pôs a assustar as pessoas com criaturas vindas do espaço, e a terceira dialoga com Stoker e sucedâneos. A outra coisa que o prémio premeia, julgo eu, é o uso dos oralismos e as "ousadias" literárias que a autora comete ao passá-los ao papel e também, na primeira história, semeando hífenes por todo o lado. Na parte dos oralismos concordo: eles estão realmente bem conseguidos, em especial na segunda e na terceira histórias. Já as outras "inovações", enfim, parecem-me simples patetices. É um risco que a ironia corre sempre, este de resvalar para a patetice. Faz parte.
Quer isto dizer que o livro não tem interesse? Não, não quer. Não sendo nenhuma obra-prima e não trazendo nada de muito relevante ou novo à FC portuguesa, o livro tem interesse porque a escrita tem qualidades e consegue, de facto, ter piada. Mais nas últimas histórias, bastante menos na primeira, e apesar de uma característica do humor que me incomodou ao longo de toda a leitura e que passo a tentar explicar.
Quando se faz troça de algo ou alguém, essa troça pode revestir-se de muitas formas diferentes. Há troça destrutiva, mas nem toda o é. Há troça que tem subjacente desprezo, mas também a há carregada de carinho ou admiração. Há troça raivosa mas também existe ternurenta. Há troça que revela sentimentos de superioridade; há troça fraterna, igualitária.
Ora, este livro troça de Portugal e dos portugueses, de seus maneirismos e atitudes. Mas, porque há troças de muitos tipos diferentes, isso pouco nos diz. Poderia perfeitamente ser uma troça cheia de amizade, cometida por alguém que sabe que, no fundo, está também a troçar de si próprio, caso em que nenhum incómodo me causaria. Mas ao longo da leitura foi-me parecendo com crescente acuidade que não, que é uma troça nascida de uma sensação de superioridade por parte de alguém que se vê como exterior ao objeto retratado. E isso incomodou-me.
Mal me ficaria não reconhecer, de tal forma óbvio isto é, que esta impressão não só é inteiramente subjetiva como pode também ser muito injusta. Mas a verdade é que não me consegui ver livre dela enquanto lia o livro. Pelo contrário, só se acentuou com o avançar da leitura, à medida que ia deparando com a inapelável imbecilidade do guarda Elias ou a estupidez ignorante da Dona Etelvina e família. Ou seja: da gente do povo.
Seja como for, repito, sim, achei que o livro tem interesse. Pesando todos os prós e contras, acabei por gostar dele. Não muito, é certo. Mas gostei.
Para os interessados, eis o que achei das três histórias:
Este livro foi comprado.
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