Quem nutre alguma saudável desconfiança pelos círculos financeiros, ao ouvir falar certos evangelistas do Santo Mercado, já terá certamente feito a correlação com aqueles jovens de sotaque americano, invariavelmente vestidos com camisas brancas e calças pretas, que se passeiam aos pares pelas ruas das nossas cidades, os chamados "meninos de deus", os missionários mórmones. Ou então com as Testemunhas de Jeová que nos vêm bater à porta de casa, também sempre aos pares.
Pois bem, Cristian Mihail Teodorescu, cujo nome obviamente romeno não engana ninguém, apresenta-nos em Big Bing, Larissa uma literalização dessa ideia. No mundo futuro que Teodorescu aqui descreve, as finanças transformaram-se numa entidade mística e misteriosa, totalmente separada da vida real, e uma casta hereditária de mulheres sacerdotisas do dinheiro gere produtos especulativos altamente especializados, servida por criados homens, num eterno jogo de bolsa dominado e determinado pelas interações entre as contas. O conto é obviamente sarcástico e a ideia em si domina tudo o resto. Não que a concretização seja deficiente. A história segue uma mãe que está a introduzir a filha pré-adolescente aos mistérios da finança e as ideias algo iconoclásticas que as dúvidas desta vão provocar naquela, e o desenrolar da narrativa é alcançado com segurança. E com graça. Mas não é dos contos mais fortes do livro no que toca à literatura propriamente dita e haverá certamente muita gente a sentir as suas ideias postas em causa por ele, sejam as financeiras, sejam as religiosas, sejam até as sociais, pois há aqui um antifeminismo razoavelmente claro (todo o sistema é profundamente irracional, e Teodorescu tê-lo posto a ser gerido por mulheres e apenas por mulheres não é certamente coincidência), ainda que esta última parte pareça ser um pouco secundária nas preocupações do autor, mais centradas na crítica à finança e à religião. Ter-se as ideias desafiadas não é mau, entenda-se, mas esse desafio pode gerar anticorpos contra o conto em vários grupos de leitores. Eu gostei, ainda que não muito; apesar de algum incómodo com o antifeminismo, o resto compensou.
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