domingo, 21 de maio de 2017

Lido: Capitania de São Vicente

José de Anchieta foi um missionário jesuíta espanhol, nascido nas Canárias no início do século XVI, que viveu boa parte da vida no Brasil colonial, onde morreu quase a terminar o século. Não só foi bastante importante na consolidação do domínio português no Brasil, contando-se entre os fundadores daquelas que são hoje as duas principais metrópoles do país, Rio de Janeiro e São Paulo, como contribuiu grandemente para o conhecimento inicial do território brasileiro e da sua fauna, flora e populações autóctones por intermédio de cartas enviadas aos superiores da sua ordem, que se leem como relatos detalhados de viagem.

Este livrinho de cerca de 50 páginas, editado pela Expo'98 apesar de pouco ter a ver com os oceanos que constituíram o tema da exposição (bem... há a narração de uma tempestade... sempre conta), é um desses relatos, e descreve viagens, flora, fauna e detalhes etnográficos sobre o modo de vida dos indígenas e as enfermidades que os afligem, em vários pontos da Capitania de São Vicente, a qual tem o seu núcleo no que hoje é o estado de São Paulo mais incluía também algum território que atualmente pertence ao Rio de Janeiro e ao Paraná.

E é um relato bastante interessante e tão objetivo quanto se poderia esperar de um padre do século XVI. Está, naturalmente, crivado dos perconceitos do homem que o escreveu, mas isso é parte do que torna este relato interessante, pois é sempre curioso apercebermo-nos de quem é e como pensa o narrador aparentemente objetivo através das coisas que lhe chamam a atenção e por isso escolhe relatar, e das comparações que faz com aquilo que conhecia previamente ou julga ser familiar aos destinatários da missiva.

Acresce que Anchieta sabia manejar as palavras na sua forma escrita. É autor de peças de teatro e de poemas, além deste tipo de relatos, o que o transforma num dos primeiros autores a produzir literatura no Brasil e faz com que, por isso mesmo, seja celebrado no país. Essa habilidade com as palavras transparece por inteiro neste relato, que à partida se destinaria menos a produzir literatura do que a transmitir informação, o que lhe aumenta o interesse para quem lê.

O resultado é um livrinho agradável, que se lê num ápice.

A minha única fonte de algum desapontamento foi não ter encontrado nele nada de fantástico. É que uma parte razoável das minhas leituras é movida a Bibliowiki, isto é, destina-se a investigar se a publicação x ou y é ou não relevante para o wiki. E foi o caso deste livro, pois bem sei como alguns dos relatos de viagem da época dos Descobrimentos estavam carregados de elementos fantasiosos, tantas vezes apresentados como verdade incontroversa. Não é o caso. Anchieta, pelo menos aqui (e pelo que aqui li não me custa acreditar que sempre), não se deixou contaminar por histórias prodigiosas, limitando-se a relatar a realidade tal como a via o que, apesar de ter sido da maior utilidade para os recetores da informação, frustra um pouco o amante de literatura fantástica que sou. Mas só um pouco.

Este livro, cujo conteúdo há muito caiu em domínio público, foi descarregado legalmente da internet (entretanto parece ter ficado indisponível).

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