quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Lido: D. Pedro I e... Último

Por iniciativa de Rogério Amaral de Vasconcellos, o segundo universo partilhado mais longevo da ficção especulativa em língua portuguesa foi sendo desenvolvido no Brasil entre 2003 e 2005 (o primeiro é o da Intempol, também predominantemente brasileiro). A ideia base andava algures entre uma ficção científica mais ou menos ufológica e o misticismo: num contexto de universos paralelos, viagens no tempo e linhas históricas alternativas (ecos da Intempol?), uma entidade chamada Zelador abduzia indivíduos e com eles realizava experiências de alteração histórica. Chamava-se SLEV e foram publicados 29 ebooks em PDF, contendo ficções curtas que deverão ter dimensões entre a noveleta e a novela. Não sei com certeza porque só tive acesso a este D. Pedro I e... Último (bibliografia).

Nesta noveleta de Gabriel Bozano, carregada de ação e com uma pegada pulp muito evidente (o que, de resto, não deve ser caso único nesta série, bem pelo contrário), a intervenção alienígena vai alterar a história do Brasil mesmo no seu início enquanto estado independente quando aquele que na história verdadeira foi D. Pedro I, o primeiro imperador do Brasil, é abatido por uma arma de raios no preciso momento em que começa a dar o celebérrimo grito do Ipiranga. E como resultado surge uma linha histórica alternativa em que o Brasil se mantém colónia, sim, mas não de Portugal; da Inglaterra. Outro resultado é o desaparecimento do assassino; o primeiro paradoxo temporal a surgir na história... mas não o último.

Toma então a história uma feição bem próxima do steampunk clássico, pois de repente vemo-nos numa colónia inglesa em plena época vitoriana sem no entanto sairmos do Brasil, e até há tecnologias demasiado avançadas para a época e tudo. Aqui, o enredo torna-se ainda mais rocambolesco, envolvendo uma caçada a um pássaro gigante mais ou menos mitológico (parcialmente conduzida por pelo explorador Livingstone, nada menos), que não era bem o que parecia e a partir daí o enredo só fica mais enredado até ao fim.

Para quem gosta de histórias pulp rocambolescas, esta é um pratinho cheio. Apesar das múltiplas oportunidades para perder o fio à história, Bozano consegue amarrá-la razoavelmente bem e o final é realmente bom, rematando a história a contento e de uma forma puramente de ficção científica.

Mas nem tudo é satisfatório, por motivos objetivos e subjetivos. Pelo lado daqueles, a prosa não é a melhor, incluindo mesmo alguns erros dificilmente perdoáveis ("Há alguns metros dali", por exemplo), que demonstram a falta que faz uma revisão profissional, aqui inexistente, e incluindo também uma citação em inglês que devia ter sido passada por alguém que conhecesse bem a língua antes de ser publicada (e não, não é lá por haver escritores anglófonos de renome que estraçalham a língua portuguesa quando tentam usá-la que nós podemos pagar-lhes na mesma moeda). Os motivos subjetivos prendem-se com o meu gosto pessoal que, como quem me lê com regularidade sabe bem, não vai nada à bola com histórias pulp que não tenham qualquer coisa que as eleve acima do que é normal nessa forma de conceber ficções. Esta até tem, mas não chega. Ou por outra: chega para que eu não a classifique como uma má história, mas não chega para que a ache boa.

Este livro foi-me fornecido pelo autor.

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