quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Lido: Náyade

A ficção científica é, com demasiada frequência, apresentada popularmente como se pretendesse constituir-se em bola de cristal do futuro, uma visão profética do porvir, inevitável como todas as profecias. Claro que mais tarde, quando se chega ao futuro e essa pseudoprofecia falha, não faltam as acusações contra um profeta que nunca quis sê-lo. Sim porque não é essa a ideia. Nunca é essa a ideia. A ideia é inspirar possibilidades ou alertar para possibilidades, comentar o presente, entreter, filosofar. Candidatos a profetas não têm lugar nas fileiras dos escritores de FC.

E no entanto, tenho de admitir a contragosto que às vezes parece o contrário.

Tome-se o caso do mexicano Jorge Eduardo Álvarez, cujo conto Náyade se passa num futuro distópico em que o Ku Klux Klan tomou conta da Casa Branca. Rings a bell?

Não, não é coisa dos anos Trump; a publicação que o traz foi publicada em 2000.

E sim, trata-se de uma história de fronteira vista pelo lado mexicano, protagonizada por um cidadão bem armado que quer passar ilegalmente uma fronteira implantada em terra devastada pela violência e pela poluição, tudo em grau hiper. O conto faz lembrar um pouco as ficções do nosso João Barreiros, pelo ambiente criado, pela utilização das migrações como motor narrativo e pela forma como aplica a vertigem tecnobabélica da FC dura, embora lhe falte a ironia que nunca anda muito longe dos textos do Barreiros e seja bastante mais curto do que é hábito nestes. Mas é uma história interessante, sem dúvida, mesmo que o final me pareça algo forçado, cortando demasiado curtas as mangas para que o pano aqui me pareceu dar.

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