E eis que depois de muitas páginas ocupadas com ficções disfarçadas de outras coisas (a par de alguns artigos, entrevistas e anúncios genuínos) chegamos finalmente aos contos propriamente ditos. Ao todo são três. O primeiro é este Coração Atómico, de Manuel Alves.
Trata-se de um conto filosófico centrado em dois autómatos dotados de inteligência artificial complexa, os primeiros do seu género, um de alguma forma masculino, o outro feminino, e relata o momento em que tudo muda para eles e, de certa forma, para tudo o que os rodeia. Também é um conto de laboratório bastante comum, completo com cientista brilhante e excêntrico e tudo, que não destoaria das ficções científicas do início do século XX, o que talvez tenha sido propositado. Se foi, essa parte da estruturação da história está muito bem conseguida. Também bem conseguido é o texto em si, pois está bastante bem escrito. No entanto, o enredo torna-se algo previsível quando começa a matutar sobre as insuficiências da humanidade, numa atmosfera de conto cautelar muito óbvia, movida principalmente a diálogos entre os dois autómatos e o seu Criador e, depois, entre aqueles e um agente, que não se percebe muito bem se é revolucionário, reacionário ou outra coisa qualquer, mas tem como objetivo claro a obtenção de controlo sobre aquelas máquinas miraculosas, pois tecnologia é poder, e é sem grande surpresa que chegamos ao desfecho. A última frase, então, é quase uma moral da história.
Eu teria preferido menos previsibilidade e menos frases de efeito e tiradas com a ambição de ser profundas, mas o conto é bom.
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