terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ah, e tal, e os políticos

Uma das coisas que mais ouvi e li nos dias que antecederam a manifestação de 15 de setembro foi o generalizado enxovalho aos políticos. Sem nuances, sem graus, sem qualquer espécie de individualização. Era um enxovalho generalizado aos políticos, tratando-os como uma massa monolítica de crápulas e aldrabões, únicos responsáveis pela situação a que o país chegou.

E eu até percebo. E até concordo, em parte. Embora ninguém possa dizer com alguma seriedade que todos os políticos são iguais, até porque bem poucos serão os cidadãos deste país que sabem sequer quem são os 230 deputados da assembleia da república e o que cada um faz ou deixa de fazer, muito menos toda a classe política, que inclui gente como os autarcas, os dirigentes locais dos partidos, uma multidão que ninguém conhece e em que há de tudo, a verdade é que os políticos mais destacados, e muito em especial aqueles que têm passado pelos governos, são verdadeiramente miseráveis. É verdade que se estamos nesta situação é, em grande medida, por causa desses. Porque não souberam governar, porque não souberam (ou nem tentaram) resistir à ação dos piratas internacionais que puseram este país a saque, e sobretudo porque em vez de servirem o país se foram servindo, enchendo os bolsos deles e dos amigos, desbaratando os bens públicos, que são de todos, desbaratando o dinheiro dos nossos impostos em obras ineficazes e que tantas vezes nem sequer chegam a ser levadas a cabo (veja-se os milhões enterrados no TGV), tecendo uma vasta teia de corrupção e de parasitismo que suga os fluidos vitais do Estado e da sociedade. Ou seja, os nossos, porque Estado e sociedade somos todos nós.

Mas não nos iludamos. Culpar os políticos é fácil, mas é errado. A culpa é nossa.

Sim, é bem provável que na atual classe política estejam alguns dos maiores crápulas que este país deu ao mundo nas últimas décadas. Mas fomos nós que deixámos que eles subissem até às posições que atualmente ocupam. Ao virarmos as costas aos partidos, abrimos-lhes a porta. Ao virarmos as costas às eleições, deixamos que os outros, os parvos, os comprometidos ou os corruptos os elejam. Ao ficamos de braços cruzados, passivos, a ver o barco afundar, fizemos tanto mal como se tivéssemos sido nós a abrir os buracos no casco para a água entrar. Ao ficarmos de lado a barafustar contra "os políticos", sem sequer fazermos um esforço para tentar perceber mesmo se são ou não todos iguais, sem sequer levantarmos os cuzinhos do sofá para vermos quem vota o quê, quem propõe o quê, quem sai dos cargos políticos para ir para administrações de empresas públicas ou privadas com negócios com o Estado, quem sai para voltar ao que fazia antes de se tornar político, estamos a contribuir para que qualquer pessoa com um mínimo de vergonha na cara sinta uma enorme relutância em meter-se a tentar mudar as coisas. Porque se tem de misturar com canalhas de altíssimo calibre, que não hesitarão em enlameá-la e tentar rebaixá-la ao seu nível.

E ainda por cima, quando os partidos fazem ténues tentativas para ganharem algum decoro, expulsando do seu seio alguns dos mais notórios criminosos que deles se vão servindo, nós voltamos a elegê-los. Veja-se o que aconteceu com o Valentim Loureiro. Com a Felgueiras. Com o Isaltino. Porque os idiotas, os comprometidos e os corruptos votam neles, e porque os que se acham demasiado possuidores de valores morais demasiado elevados para darem atenção à política voltam as costas a tudo e, não votando nos outros, deixam que os idiotas, os comprometidos e os corruptos os elejam.

A culpa, meus caros, é nossa. É de quem desiste, é de quem manda tudo à merda, é de quem permite.

E o resultado está à vista.

Quando a verdade é que nem todos os políticos são iguais. Nem todos os partidos são iguais.

Eu fui em tempos membro de um partido. Saí porque cheguei à conclusão de que, devido à sua cultura interna, e apesar de ser em geral um partido de gente honesta, esse partido era irreformável (e continuo convicto disso). Nunca concordei com todas as posições do partido — nunca concordei nem nunca concordarei com todas as posições de nenhum partido, aliás — e desgostou-me o péssimo modo como lá se lidava com a divergência interna. Pura e simplesmente, esperava-se que os militantes não tivessem ideias próprias ou, se as tivessem, não as exprimissem publicamente. E os que o faziam eram segregados e muitas vezes expulsos. Para piorar as coisas, a direção desse partido embarcou numa série de crassos disparates, que provavelmente não teria cometido se desse ouvidos às vozes dissonantes. Portanto eu cheguei à conclusão de que o partido era irreformável e saí. Com a firme intenção de não voltar a entrar em nenhum.

Mas não deixei de votar. Raramente votei em males menores; votei quase sempre na força política com cujas posições mais me identificava, tivesse ou não possibilidades de contribuir com o meu voto para a eleição de alguém. A princípio não contribuí para eleição alguma. Mas a seu tempo isso aconteceu e se querem saber ainda não me arrependi... embora num dado período estivesse quase, quase a fazê-lo. Porque o partido de que me tornei eleitor desatou a fazer disparates.

Porquê?

Bem, em parte porque gente como eu não estava lá dentro. Eleitores independentes, com ideias próprias, descomprometidos com tendências internas, bem longe de certos radicalismos mais patetas (que entretanto se desvincularam do partido, aliás), com uma perspetiva sobre a sociedade não formatada pela vida partidária, a qual tende a deformar um pouco (ou muito) a realidade se não se tiver cuidado. Se lá estivéssemos, e em número suficiente, e se fôssemos participativos, talvez tivéssemos evitado algumas daquelas asneiras. E talvez, hoje, o partido tivesse mais força, não tivesse perdido tanta credibilidade junto de muitos dos seus eleitores habituais. Esteve quase a perder-me a mim. Mas acabou por me ganhar como militante.

Precisamente porque sendo-o posso intervir. Posso tentar mudar um pouco o rumo às coisas. Posso tentar persuadir aqueles com que não concordo ou dar mais força àqueles com que concordo. Não o sendo só poderia votar neles, noutros quaisquer ou em ninguém e não teria nenhuma influência sobre as decisões que o partido toma. Sendo posso ter.

E a questão é mesmo essa. Quem se alheia da coisa pública abandona-a aos outros. Aos que não prestam. Aos corruptos. Aos canalhas. Aos oportunistas. Aos que se servem do que é de todos. Àquela gente reles que nos levou até aqui. Se quisermos que daqui para a frente as coisas sejam diferentes, temos de entrar nos partidos, temos de os mudar por dentro, ou temos de criar partidos novos que mudem o sistema por fora.

Sendo muito claro, julgo que há partidos que são irreformáveis. Uns devido ao seu funcionamento interno muito pouco democrático, e refiro-me, obviamente, ao PCP. Outros devido à pura quantidade de gente rasca que contêm. Em parte pela sua condição de partidos de poder, em parte porque nunca fizeram um esforço sério para evitar transformar-se em cadáveres malcheirosos de partidos democráticos, o PS e sobretudo o PSD são basicamente centrais de negociatas, onde se acolhe tudo quanto é fura-vidas sem escrúpulos, tudo quanto é pulha apenas ansioso para encher a barriga com umas migalhas daquilo que é de todos nós. O PSD, um nome mais adequado para o qual seria PCE, Partido dos Chicos-Espertos, é completamente irreformável. Não vale a pena sequer tentar. Mais vale que as poucas pessoas decentes que ainda por lá restam saiam e criem um partido novo na mesma área política ou se juntem a algum dos que já existem — O Partido Liberal-Democrata, por exemplo, ou o Movimento Esperança Portugal, ou mesmo, caso tenham tendências ecologistas, o Partido da Terra. Quanto ao PS, o caso não é tão grave, e portanto não tenho completa certeza de também se tratar de um partido irreformável. Há lá dentro mais gente decente, embora também haja muito, muito, muito lixo, como aliás todos bem sabemos para mal dos nossos pecados. Mas se no PSD é difícil encontrar-se um dirigente que não seja um zero à esquerda, ou pior, no PS sempre há uns quantos. Mas não deixam de ser também uma minoria. E isso significa que para se ter alguma esperança de reformar o PS, ainda que ténue, seria necessário que muita gente boa entrasse lá para dentro. Talvez também aí seja melhor começar de novo, ou com um partido novo, ou com um que já exista naquela área política. Talvez o Trabalhista, talvez o Humanista.

E acima de tudo, é urgente que quem tiver um pingo de decência não volte a votar em algum destes partidos (e no CDS, que é outra central de negociatas ainda que em ponto mais pequeno) até que eles sofram uma completa limpeza. Nunca mais. Deixem-se de votos úteis; também foram os vossos votos úteis que nos trouxeram até aqui. Votem em quem está na política com alguma ética, não nesses crápulas.

É que tudo isto é urgente. É urgente que gente com algum sentido ético da vida em sociedade tome as rédeas aos partidos, afastando quem não presta. Este sistema partidário está podre e tem de ser reformado se quisermos que Portugal tenha futuro.

Há uma alternativa — há sempre uma —, a revolução. O nosso sistema político está centrado em partidos, e não vai deixar de estar sem uma revolução. São eles que controlam as instituições, e não vão abdicar voluntariamente desse controlo. Só de forma revolucionária é possível causar alterações de fundo num sistema político como o que temos sem a participação dos partidos. Mas será essa alternativa viável no atual momento? Não me parece. Estou convicto de que a esmagadora maioria do povo português não deseja e não participará nem apoiará uma revolução... pelo menos por enquanto; isso provavelmente mudará quando a fome que já se vai fazendo sentir passar a ser generalizada. A continuarmos neste rumo, dou uns dois anos até se chegar a essa situação.

Sinceramente preferia que não se chegasse. Não me apetece passar fome. Não me apetece perder o algum conforto que vou tendo. Por isso preferia que este sobressalto cívico levasse as pessoas a politizar-se, e a decidir arrancar duma vez por todas os partidos das mãos dos criminosos que os controlam. Ou, caso isso não seja possível, a matá-los, esvaziando-os do poder que o voto confere, criando e dando força a outros.

Pensem nisso.

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