quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Lido: Anjos Pistoleiros

Anjos Pistoleiros (bib.) é um romance de Paul McAuley que me deixou com uma sensação de ambivalência ao terminar a leitura, tal como já tinha acontecido, aliás, com o outro livro dele que li (A Invenção de Leonardo) e de que falei brevemente aqui. Trata-se de um romance de ficção científica centrado no conceito de universos paralelos e de linhas temporais divergentes, já bastante usado quer na FC que lida com viagens no tempo, quer em bastante história alternativa. A ideia é simples mas instigante: o tempo em que vivemos é apenas um de muitos tempos possíveis, e o universo também. Este, apesar do nome (universo significa a união do todo, e traz implícita a ideia de ser só um), é apenas um de uma infinidade de universos que, globalmente, constituem o multiverso. E sempre que há um acontecimento que pode ter vários resultados possíveis e/ou prováveis, está-se perante um ponto de divergência e o universo divide-se em dois, numa espécie de mitose cósmica. Num dos universos resultantes da divisão o acontecimento que deu origem à divergência teve um resultado, no outro outro.

A FC foi ao longo dos anos descrevendo uma série de variantes desta ideia base. Aqui, segundo é explicado no decorrer do romance, a divergência está dependente de atos humanos, e tende a anular-se com o tempo, a menos que outros atos subsequentes a vão reforçando até se tornar definitiva. Como costuma acontecer neste tipo de história, os vários universos (aqui designados por "feixes") são interligados por portais, e são esses portais, e a existência num dos feixes (o dito "Real") de uma América particularmente imperialista que decide imiscuir-se nos assuntos dos outros feixes, que estão no fulcro da história. Os Anjos Pistoleiros do título são um grupo de agentes secretos treinados no Real para alterarem as histórias dos outros feixes através de missões clandestinas muito ilegais, mas uma mudança no governo e algumas operações desastradas vão pôr cobro às suas atividades... embora continue a haver um núcleo operacional, à revelia das ordens superiores, ao qual o protagonista do romance vai ter de se opor.

Dá pano para mangas, sob vários aspetos. A ideia podia ser desenvolvida de várias formas diferentes, e, se o desenvolvimento fosse realmente bom, todas elas poderiam resultar em livros magníficos. Só que não é. Para começar, McAuley deixa alguma incoerência no ar, ao postular também a existência daquilo a que chama "feixes selvagens", isto é, universos nos quais não há homens. Não se entende como é possível a existência de universos desprovidos de seres humanos se a divergência entre eles depende de atos humanos. E também não se percebe o que pode ganhar o Real com a ingerência nos outros universos. É que se os atos humanos criam novos feixes, então os atos de homens oriundos de outros feixes também vão os criar. Logo, a ingerência não vai alterar nada de fundamental; vai limitar-se a criar um ponto de divergência entre a história original do universo ingerido e a nova história que é resultado da ingerência. Ou dito de outra forma, vai criar um novo universo no qual a ingerência teve efeito. Tudo aquilo que o "Real" encara como mal a ser corrigido nunca é realmente corrigido, permanece tal e qual como era, pelo menos em alguns dos feixes-filhos.

E essa incoerência, esse não pensar a ideia até às suas últimas consequências é sintomático do que me desagradou neste livro. McAuley dedica-se apenas a tecer um technothriller de espionagem, de enredo convoluto mas superficial, cheio de pontas soltas ou mal amarradas. A tal teia de peripécias digna de um blockbuster de Hollywood que também encontrei na Invenção de Leonardo, e pouco mais. E isso, apesar de ser provável que satisfaça os leitores que não se incomodam com incoerências desde que haja ação com fartura, sabe a pouco a quem não se contenta com esse tipo de superficialidade.

Por outro lado, há várias boas ideias espalhadas ao longo do romance. E apesar dos elementos inconsistentes há outras partes do ambiente em que a história se desenrola que estão bastante bem caracterizadas. Gostei particularmente do "Real", ponto de partida para todas as comparações e avaliações das personagens da história, não ser o nosso feixe, mas um outro, com uma América ainda mais agressivamente imperialista do que a nossa, parte de uma alternativa histórica na qual o desenvolvimento social e tecnológico seguiu rumos subtilmente diferentes dos nossos. Portanto não me parece que o livro seja mau. Tem motivos de interesse. Mas a verdade é que não me satisfez por inteiro. Deixou-me um certo travo a oportunidade mal aproveitada.

Não gosto de rotular autores. Acho que todos os autores têm umas obras mais bem conseguidas que outras, portanto convém avaliar cada uma dessas obras, não o autor. No entanto, A Invenção de Leonardo e Anjos Pistoleiros, dois romances com muitas diferenças entre si e escritos com 13 anos de intervalo, mas tão semelhantes nos seus defeitos, levam-me a crer que McAuley não consegue (ou não quer) sair disto. Que não consegue (ou não quer) fazer melhor. E isso leva-me a ganhar uma séria renitência a ler mais coisas dele. Para satisfazer aquilo que eu procuro nos livros, há por aí FC bem melhor do que esta.

Este livro foi comprado.

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