sábado, 17 de novembro de 2012

Lido: O Melhor do Desafio Operário

O Melhor do Desafio Operário (bib.) é, à semelhança da Antologia de Contos Temáticos de que aqui falei há algum tempo, uma antologia brasileira originada nos trabalhos de um atelier de escrita criativa ainda que, ao contrário desta, só tenha sido editada em versão ebook. Reúne 14 histórias, com extensões que vão da vinheta à noveleta, e foi organizada por Ana Cristina Rodrigues.

Esta antologia tem alguns pontos em comum — e também alguns autores em comum — com a de Henry Alfred Bugalho. De novo se nota que os autores são capazes de dar algo mais do que aqui mostraram, e de novo se compreende porquê. Porque os temas não são, necessariamente, aqueles que mais interessam aos autores ou aqueles em que estes mais se sentem à vontade. Ou porque há prazos a cumprir que nem sempre serão compatíveis com a produção de obra tão bem planeada e executada como poderia ser caso nascesse sob pressão menos intensa. Ou porque a própria gestação das ideias nem sempre se compadece da necessidade de ter obra pronta para apresentar aos colegas. Ou porque há em certos casos muita inexperiência, ainda que outros dos autores aqui presentes sejam já autores tarimbados. Ou por vários outros motivos possíveis.

No entanto, também há algumas diferenças entre as duas antologias, que acabam por fazer com que esta seja notoriamente melhor do que a dos contos temáticos. Os contos do Desafio Operário são mais extensos, o que desde logo permite uma melhor elaboração de cenários e enredos. Aqui encontra-se um conto por autor, aquele que se considerou (não sabemos se pela organizadora se pelos autores, se de uma forma mais cooperativa) ser o melhor entre todos aqueles que foram produzidos durante a duração do atelier. Aqui temos uma maior uniformidade estilística, pois todos os contos pertencem a alguma vertente das literaturas do imaginário, com ênfase na fantasia e, em menor grau, na ficção científica, o que significa que o desconforto que escrever fora da área literária de eleição de cada um pode provocar é reduzido se comparado com um atelier totalmente aberto em termos temáticos e genéricos. Aqui há um equilíbrio diferente entre escritores novatos e escritores com alguma (ou muita) experiência, com maior pendor para estes últimos, ainda que nem sempre essa experiência se reflita na qualidade do que é produzido. Tudo isto contribui para uma qualidade média mais elevada.

Sim, aqui também há contos muito maus. Especialmente três. Mas a vasta maioria destes contos do Desafio Operário tem uma qualidade no mínimo aceitável e há até um conto que me pareceu francamente bom. Marcos Cinco Descobre Deus, de Leonardo Carrion, é, julgo, o melhor conto da antologia. Não que seja perfeito: há alguns problemas que uma revisão atenta resolveria (a crase e os brasileiros é um caso de eterna inimizade), e tende por vezes um pouco em demasia para o infodump. Mas é francamente bom, e julgo que a explicação para isso é, em parte, o autor ter conseguido utilizar o tema proposto para desenvolver um outro tema que lhe é caro. Trata-se de um conto de ficção científica, no qual um robot, encarregado de gerir uma nave de colonização interstelar durante a longa viagem até Vega, se interroga sobre a fé, a divindade e as tradições a ela ligadas, enquanto cuida dos filhos dos colonos e lhes serve de professor durante o tempo que os pais passam em animação suspensa. Sem chegar propriamente a desrespeitar o tema proposto, "regras e exceções," Carrion escreveu um conto que na realidade versa sobre a natureza da fé em Deus, e fê-lo com a ironia e rigor lógico de um ateu.

Em resumo: esta antologia é uma boa antologia? Não, não me parece que seja. Mas, dentro do género, até acaba por ser. Não julgo que seja possível fazer muito melhor do que isto com as restrições que advêm da obrigatoriedade de coligir trabalhos produzidos durante um atelier de escrita criativa, a menos que todos os integrantes desse atelier sejam escritores tarimbados e/ou talentosos e possam escrever sem constrangimentos temáticos nem estarem sob o sufoco dos prazos. Vale a pena a leitura? Os contos muito maus tornam-na penosa, por vezes, mas a meu ver os restantes acabam por compensar. E valeu a pena a publicação? Para alguns destes autores, aqueles que são decididamente capazes de fazer melhor, talvez não. Mas para outros julgo que sim.

Se quiserem arriscar, encontram-na aqui.

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