domingo, 11 de novembro de 2012

Umas palavrinhas sobre o Bloco

Como terão reparado, aconteceu este fim-de-semana uma convenção do Bloco de Esquerda. Acompanhei-a à distância, embora suspeite que com mais atenção do que maioria de vocês, e vi um partido vivo, democrático, que convive em geral bem com a divergência interna, no qual as pessoas dizem o que pensam, no qual se discutem ideias e não lugares. Conforme anunciei há um ano e picos, inscrevi-me no partido a seguir à sua maior derrota eleitoral, que por sua vez se seguiu a uma série de disparates completamente incaracterística na vida do Bloco. Antes disso, era apenas eleitor, um dos muito milhares de portugueses que se reveem na maior parte das opções políticas do Bloco mas nunca sentiram necessidade de se inscreverem. Inscrevi-me quando senti essa necessidade, porque quis ter voz ativa nas opções que o Bloco toma, porque quis dar o contributo que me fosse possível para evitar que o partido a que confiei o voto durante tantos anos voltasse a cair na mesma espiral de patetice em que mergulhou na véspera daquelas eleições. Esta foi a minha primeira convenção como militante, a primeira em cuja discussão participei, a primeira para cujos delegados votei.

O rescaldo não é o ideal, mas é francamente bom. Embora para os distraídos e os que gostam de tornar as pessoas distraídas a única coisa que passa é a história da liderança paritária, ou bicéfala, ou como queiram chamar-lhe, o panorama completo é bem mais vasto do que isso. O debate fez-se em volta de duas moções, com ideias semelhantes ou mesmo idênticas sobre os assuntos mais importantes — afinal, as pessoas juntam-se em partidos quando pensam de forma semelhante sobre os assuntos mais importantes — mas divergências sobre alguns temas, o mais importante dos quais é uma questão de balizamento. Balizamento da possibilidade de convergência com outras forças políticas e sociais, sobretudo. O PS esteve sempre no centro da discussão. Há, no Bloco, a aguda consciência de que uma convergência da esquerda é absolutamente fundamental para tentar salvar este país do desastre anunciado, mas uma consciência ainda mais aguda de que essa convergência só será eficaz se conseguir incluir o PS. Só que o PS, embora tenha lá dentro gente de esquerda, não é um partido de esquerda e está profundamente comprometido com o desastre, desde logo porque a assinatura inicial do memorando com a troika é de Sócrates. O que fazer? Como agir? Foram essas as perguntas a que uma parte considerável do debate se dedicou. Venceu uma opção estratégica, como teria inevitavelmente de acontecer, mas a outra obteve cerca de um quinto dos votos.

Notem que, embora as votações nas moções sejam independentes das votações para os órgãos dirigentes, acabam por ter uma influência considerável. Logo, a opção derrotada acabou por eleger cerca de um quarto dos dirigentes. O Bloco está organizado de tal forma que o seu órgão dirigente entre convenções é uma mesa nacional, da qual os coordenadores são, em princípio, porta-vozes. Quem dirige o Bloco é uma equipa de 80 pessoas. Destas, 61 foram eleitas pela moção A e 19 pela moção B. E, apesar das televisões tentarem puxar o máximo que puderam por nomes, não vi discutir-se pessoas. Vi discutir-se ideias. Quase exclusivamente ideias.

Alguém pediu democracia interna? Ah, pois. Nós temos.

Mas o Bloco também tem dois grandes problemas, e nenhum deles foi solucionado nesta convenção.

Um desses problemas é ter uma desproporção muito grande entre o número de aderentes e o número de eleitores. Eu percebo porquê; afinal fui durante muito tempo um dos milhares de portugueses que votava BE sem me inscrever no partido. Mas a verdade é que isto fragiliza o Bloco, torna mais provável que voltem a acontecer ziguezagues e disparates ou que se cristalize a mentalidade de gueto, que nunca está muito distante dos grupos humanos, sejam eles quais forem, e cria condições para que algumas pessoas se eternizem em lugares de liderança, em especial a nível local, por pura e simples ausência de alternativas, o que tem as consequências negativas que facilmente se compreendem, tanto para os próprios como para o partido. Como até para a capacidade do Bloco dialogar com a sociedade que lhe é exterior. Seria bom que mais gente fizesse o que eu fiz. Porque a democracia portuguesa não vive sem os partidos e não é possível melhorá-la sem melhorar os partidos.

E todos eles precisam de ser melhorados. Todos.

Outro desses problemas é ter a consciência de que a união das esquerdas é urgente e imprescindível, mas estar dependente de outros para que essa união se faça. Sim, há muito a fazer dentro do próprio Bloco para o preparar para essas convergências. Algo que ainda falta no BE é uma compreensão mais completa de que contribuir para o bem do país não implica pôr integralmente em prática o programa do Bloco. Que é melhor conseguir algumas vitórias do que não conseguir vitória nenhuma. O partido ganhou algumas das lutas em que se meteu — a despenalização das drogas leves e da interrupção voluntária da gravidez, ou os direitos dos homossexuais, por exemplo —, mas nenhuma delas foi económica, e a situação em que Portugal está neste momento é em parte consequência desse facto. De pouco adianta termos razão (e, bolas, como temos tido razão, em especial nos últimos 4 ou 5 anos!) quando não conseguimos convencer o eleitorado dessa razão nem levar as outras forças políticas a agir conforme preconizamos. De pouco nos serve as coisas que o Bloco anda a dizer há mais de 4 anos já começarem a ser ditas até por gente do CDS, quando já chegámos a uma situação tal que as soluções que preconizávamos há mais de 4 anos se tornaram entretanto insuficientes para resolver seja o que for. Nem quero pensar no estado em que estará o país quando aquilo que o Bloco preconiza para agora (atenção: é um PDF) chegar finalmente às brilhantes cabecinhas da nossa direita.

O Bloco tem de se apresentar aos eleitores e aos outros partidos com duas listas na mão. Uma, a lista de coisas que faria caso o eleitorado lhe desse mandato para governar sozinho. Outra, a lista de coisas que são indispensáveis para convergências. Há ainda, no Bloco, alguma mentalidade de "ou tudo ou nada," que convém combater. Uma mentalidade que leva a pôr na segunda lista tudo o que consta da primeira. Não pode ser. A segunda lista deve ter apenas três ou quatro pontos fulcrais e capazes de possibilitar consensos alargados (ou que, pelo menos, não possam ser facilmente recusadas pelos outros), sendo ao mesmo tempo conquistas importantes para o país. Coisas como a recusa liminar da negociata de bastidores e da troca de favores como forma de estar à frente de um país. Ou, neste momento, o fim do saque a que estamos sujeitos. Coisas assim. O resto, e é muito, deverá ser negociado, com a clara consciência de que nunca obteremos tudo o que desejamos. É essa a natureza das negociações.

E desta convenção saiu algo do género, embora nem sempre de forma inteiramente clara. A linha de demarcação da convergência existe: é o memorando. Quem quiser denunciar o memorando pode estar connosco, quem não quiser não pode estar. Perguntarão: E depois da denúncia, o que acontece? E eu respondo com outra pergunta: já leram o PDF que linkei ali em cima? Então leiam: o que o Bloco propõe é isso.

Isto, já agora, deve ser claramente dito ao eleitorado do partido. Deve-lhe ser claramente explicado que o BE conseguirá tanto mais da tal negociação quanto mais força lhe for dada nas urnas. Fazer política séria é isso. E tem de haver alguém que consiga quebrar a forma infantiloide de fazer política neste país, cheia de birras, recriminações e acusações desonestas. Já é mais que tempo da generalidade dos nossos políticos largar as fraldas. Convém que haja alguém a dar o exemplo. Só lucraríamos se fôssemos nós.

E agora reparo que já escrevi um lençol. Se não parar já, ninguém lê isto e eu gostaria que lessem. Desculpem lá a interrupção abrupta, mas este texto foi saindo ao fluir da metafórica pena, sem estruturação prévia, e a sua extensão bateu-me de repente. Talvez o continue um dia destes. Ou talvez não. Por hoje paro por aqui.

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