Às vezes acontece. Após passar o que parece ser horas às voltas sem conseguir dormir — ainda que por vezes sejam apenas minutos — desisto e ponho-me a remexer nos gadgets que tiver à mão, aturdindo-me com as luzes coloridas para esvaziar o cérebro da porcaria que nele tende a rodopiar nessas ocasiões como roupa numa máquina de lavar em plena centrifugação.
Foi o que aconteceu há dias, e o gadget escolhido foi o tablet. Liguei-o e, após alguns minutos a deambular de um lado para o outro pela App Store, deparei com uma aplicação gratuita chamada AgingBooth. "Olha," pensei de uma forma tão vaga que talvez só tenha pensado em pensar, "isto é capaz de ser giro." E instalei-a, abri-a, testei-a para ver como funcionava, acendi a luz e fotografei-me com a câmara secundária, que no meu tablet é muito mazinha. Eis o resultado:
Depois, claro, disse à app para fazer aquilo que foi concebida para fazer: envelhecer-me, mostrar-me a minha cara daqui a algumas décadas, quando o peso dos anos finalmente me apanhar e me puxar para bem perto daquele momento em que deixarei de ser eu. Não será a coisa mais animadora para fazermos a nós próprios no aborrecimento e silêncio de uma noite de insónia, mas nem pensei nisso. Estava curioso, mais com a qualidade da aplicação, com o modo como iria funcionar, do que propriamente com o resultado. Por isso, pousei o dedo no botão que me iria envelhecer e...
... e o meu pai olhou-me de volta. O meu pai, nos seus últimos anos de vida, como — infelizmente — melhor o recordo.
Pois é, velhote. Toda a vida me disseram que era parecido contigo, mas nunca acreditei tanto nisso como no momento em que vi a tua cara a olhar para mim do tablet. Sim, há diferenças. Mas só reparei nelas mais tarde. Porque reconheço as pessoas principalmente pelos olhos, e esses são iguaizinhos. Iguaizinhos.
Já te tinha ouvido na minha voz, por vezes com um sobressalto, e agora isto.
Olha, sobrevives em mim, essa é que é essa. E feliz aniversário.
Fiquei com a lagriminha no olho. Pois, também eu sou parecida com o meu pai em tanta coisa... aspeto, personalidade... gosto de pensar que ele vive porque eu sou o que ele me ensinou a ser.
ResponderEliminarUm abraço.
Também eu fiquei com ela no olho quando me apareceu aquela imagem na frente. E depois foi uma inundação de saudade como há muito não sentia. Consequência de ter sido apanhado de surpresa.
ResponderEliminarE sim, eles continuam por cá. São em tudo parte de quem somos.