A República Nunca Existiu (bibliografia) é uma antologia que foi apresentada com pompa, circunstância e retumbantes trombetas como trabalho inaugural, em Portugal, de um subgénero das literaturas fantásticas que já existia há décadas lá por fora, tanto nos lugares do costume como no próprio Brasil a partir dos trabalhos de Gerson Lodi-Ribeiro, entre outros. Para isso escolheu-se um ponto de divergência muito concreto na nossa história: 1910 e a implantação da República que, na proposta antológica, não teria acontecido.
O resultado é extremamente irregular, juntando-se neste volume alguns, poucos, bons contos a textos absolutamente lamentáveis, incluindo (ou talvez sobretudo, porque tinha pergaminhos e portanto obrigação para fazer muitíssimo melhor) o do autor mais prestigiado dos 14, João Aguiar, e a textos de autores que depressa se torna bastante óbvio que desconhecem o que é e como se faz história alternativa, apresentando contos que mal se adequam à proposta ou não se lhe adequam de todo. Alguns destes contos até têm interesse intrínseco, mas numa antologia temática pretende-se que os autores respeitem o tema, caso contrário a antologia deixa de ser temática. A inclusão, numa antologia temática, de contos que desrespeitam o tema piora o conjunto. Se isto é verdade quando o conto desrespeitador é o melhor de todos, como aconteceu com Os Anos de Ouro da Pulp Ficion Portuguesa, mais o é quando entre os que mais desrespeitam o tema se contam alguns que não são grande coisa, como acontece aqui.
Ou seja, esta antologia é má. Não tem nenhum conto extraordinário, tem um absolutamente inenarrável, tem mais dois ou três maus (leia-se "conto" em sentido lato, pois aqui também se inclui um texto teatral) e tem contos que, não sendo maus, não são contos de história alternativa ou só o são por uma questão de maquilhagem.
No entanto, eu já disse, já repeti e volto a fazê-lo aqui: se numa antologia houver nem que seja um conto bom, ela vale a pena, por pior que seja globalmente. É preferível que uma má antologia abra espaço à publicação de uma ou duas coisas boas a não se publicar o mau mas isso ter como consequência que também não se publicou (ou nem sequer se escreveu, por vezes) o bom. E aqui existem quatro contos que se erguem acima da mediania: o de Gerson Lodi-Ribeiro, o de Bruno Martins Soares, o de José Manuel Lopes e sobretudo o de João Seixas. Para ler boas coisas estou disposto a engolir alguns sapos. E se é certo que neste livro há duas ou três coisas que passam largamente o mero sapo, que são autênticas salamandras, daquelas bem gosmentas, não é menos certo que estes quatro contos valem o livro.
Dos outros não rezará a história. Em certos casos, felizmente.
Eis o que achei dos catorze textos que aqui se incluem:
Este livro foi comprado.
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