Este conto de Mário Dionísio é praticamente perfeito para ilustrar aquilo que pode servir para pegar num conto sobre a banalidade e fazer com que deixe de ser banal e por isso desinteressante, especialmente pelo contraste que faz com o conto anterior, Desportos de Inverno. De facto, também em A Lata de Conserva a situação é banal. Numa cidade, provavelmente Lisboa, uma jovem ociosa e aborrecida assiste da janela a uma comoção na rua: um lojista que larga a correr atrás de um miúdo, aos gritos, situação que se resolve quando um polícia apanha o perseguido. Percebe-se facilmente que o miúdo roubou uma lata de conserva, mas o que coloca esta história vários furos acima da de Luís Forjaz Trigueiros é principalmente uma coisa: a perspetiva escolhida por Dionísio, a da jovem privilegiada, para olhar uma cena em que a miséria e a fome se confrontam com os mecanismos mais ou menos bem oleados de uma certa sociedade, cria uma subtileza na denúncia das desigualdades sociais que eleva a banalidade da cena a um patamar diferente. Este é um caso de um conto muito bem construído, no qual o ponto de vista faz toda a diferença. Também está bastante bem escrito, mas isso acaba por ser algo secundário, mesmo ajudando. E assim uma história banal ganha real interesse. Não é esta a única maneira, mas é uma maneira.
Contos anteriores deste livro:
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