Depois de uma longa série de contos neorrealistas, ou pelo menos inspirados pelo neorrealismo, ao chegarmos à história de David Mourão-Ferreira encontramos algo de diferente. Nem Tudo é História é uma fantasia onírica, descrevendo uma rocambolesca série de peripécias que acontecem ao protagonista-narrador e a uma mulher que o acompanha "noites e noites a fio". Tudo muito carregado de imagens cinematográficas, repleto de metamorfoses e das mudanças surreais de cena em que os sonhos são pródigos. E tudo escrito e descrito de uma forma concreta e detalhada que lhe confere solidez, mesmo que o texto não desconheça a poesia, sendo a experiência de leitura temperada pelo elemento surpresa e pela interrogação sobre onde quererá o escritor chegar com tudo aquilo. Será apenas a descrição de um sonho, ou haverá por trás dessa superfície mais alguma coisa?
E então chega-se à penúltima página e descobre-se que sim, há mais alguma coisa. Há política, alguma, há um comentário sobre a forma como a História com maiúscula se interseta com as histórias pessoais de todos nós e há, no fundo, uma reflexão muito pertinente sobre a natureza da literatura, sobre os eternos ziguezagues que ela faz entre o inventado e o real. É um conto francamente interessante, este. E muito, muito bem escrito.
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