Há cerca de um ano, quando fui pela segunda vez nomeado para um prémio da European Science Fiction Society, escrevi que "tenho alguma simpatia pelo voluntarismo dos prémios da ESFS. [...] Mas a verdade é que a relevância do prémio é praticamente
nula, e será sempre nula enquanto não existir mesmo um mínimo de
contacto entre o que se vai fazendo no campo da ficção especulativa nos
vários países europeus, o que está muito, muito longe de acontecer." Poderia ter acontecido, mas não aconteceu, que alguém me tivesse vindo mostrar esta Anthology of European Speculative Fiction como prova de que esse mínimo de contacto já existe, o que teria tido como resposta uma rotunda negativa. Não que iniciativas como esta não possam ser semente de qualquer coisa, mas são no máximo só semente, não são a própria coisa. Quando eu falo em "um mínimo de contacto" refiro-me a edições regulares e variadas, mesmo se escassas, de obras de ficção especulativa europeia nas várias línguas da Europa, que possam servir para termos todos alguma noção, ainda que vaga, do que se vai fazendo nos outros países. Uma antologia em inglês não basta, uma publicação regular em inglês como a ISF Magazine, que coeditou este ebook, também não. Poderão ser um início. Mas, como se viu, nem isso terão sido. Parece faltar por completo uma condição determinante para uma iniciativa destas ter alguma hipótese de dar frutos: interesse.
Assim, ficam as obras em si mesmas. E esta, organizada pelo romeno Cristian Tamas e pelo português Roberto Mendes, não é má, até porque inclui alguns bons contos (sobretudo o de Aliette de Bodard e, a alguma distância, o de Jetse de Vries), mas é muito irregular. Muito irregular.
O que me causa mais estranheza são algumas opções tomadas pelos organizadores. Não sei se terá havido constrangimentos relacionados com as histórias que foram propostas para a antologia e com autores que poderiam ter participado mas não quiseram fazê-lo, mas parece-me que uma antologia deste tipo, que tem claramente a ambição de servir de montra internacional do que se faz atualmente na Europa, deveria esforçar-se por apresentar a melhor ficção possível. Não sei se se esforçou e não conseguiu. Mas o facto é que a par de boas histórias, escritas por autores experientes e de qualidade, surgem histórias bastante amadoras, que ainda por cima nem sequer representam adequadamente o que se faz nos respetivos países, o que se comprova por haver aqui histórias muito melhores de autores das mesmas nacionalidades.
E também me causam uma certa estranheza as ausências. Há três autores romenos, duas portuguesas, dois britânicos, um que talvez seja holandês ou belga, um finlandês, um ucraniano e até dois que nasceram nos EUA, um dos quais com nome italiano e a outra com nome, vivência e nacionalidade franceses. Mas onde estão os espanhóis? Os polacos? Os alemães? Os russos? Tudo nacionalidades que, à parte talvez os espanhóis, têm tradições fortes e reconhecidas na ficção especulativa mundial e no entanto não parecem ter mostrado o menor interesse por esta iniciativa. Que é delas? Como é que uma iniciativa como esta pode prescindir de autores destes países?
São questões que me ficaram ao terminar esta leitura. Possivelmente haverá excelentes respostas para elas, mas parece-me que uma mostra da FC&F europeia só ficaria mais forte se fosse mais abrangente e consistente em termos de qualidade.
Por outro lado, como digo sempre que tenho oportunidade, a publicação de uma antologia já vale a pena desde que inclua pelo menos um conto muito bom ou dois ou três "meramente" bons. E esta inclui, portanto ainda bem que existe.
Eis o que achei dos contos individualmente considerados:
Este livro eletrónico foi distribuído gratuitamente.
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