O Almanaque Steampunk, aqui na edição de 2012, faz, portanto, todo o sentido. Constituído por contos e por uma série de outros textos que vão do horóscopo ao artigo jornalístico, passando pela crónica de costumes e pelos anúncios, os quais no fundo são quase todos outras tantas obras de ficção curta (contos, portanto) com estruturas incomuns, reproduz fielmente a estrutura dos almanaques de antanho e traz como brinde a publicação de alguns textos de qualidade. Mesmo que inclua também outros bastante fracos.
Mas a sensação que estes textos mais deixaram foi a de potencial desaproveitado, a de que as ideias neles contidas, se bem aproveitadas, dariam textos mais longos muito mais interessantes do que as ficções muito curtas que acabaram por ser mesmo produzidas. Bem sei que a publicação não se prestava a textos mais longos do que os que foram nela publicados, e bem sei também, até por experiência própria, que é mais fácil, que dá uma satisfação mais imediata, gastar um quarto de hora ou meia hora a escrever uma vinhetazinha de uma página ou duas (ou cinco minutos num miniconto) do que gastar dias ou meses às voltas com as complexidades de uma noveleta ou novela (ou até anos, por vezes, no caso de romances) que, ainda por cima, não há nenhuma garantia de acabarem por se ver publicadas e lidas. Mas mesmo assim, o travo que fica é um bocado amargo.
Outra insuficiência desta publicação, que no entanto reconheço ser de difícil solução, é a da incoerência (até ortográfica) entre os vários textos, que destrói a pretendida ilusão de se tratar de publicação feita num virar de século XIX-XX tecnologicamente ultradesenvolvido. Um almanaque deste tipo funcionaria bastante melhor num sistema de universo partilhado do que neste esquema, em que cada autor faz a sua proposta baseada no seu próprio worldbuilding. Quando estes chocam, e fazem-no com frequência, a publicação entra em dissonância e isso faz com que o todo acabe por ser pior do que a soma das partes.
Obviamente, para fazer as coisas de outra forma os editores teriam de chamar os autores para trabalharem sobre um conjunto de ideias predefinidas (por eles ou pelos próprios autores) e manter um controlo apertado sobre a pertinência dos vários aportes que sem dúvida lhes chegariam. E isso não é nada fácil, em particular quando não há alguém universalmente respeitado que possa servir de árbitro e juiz como aconteceu na antologia Lisboa no Ano 2000. Sem isso, mais que provavelmente, a alternativa seria entre não fazer e fazer assim. Concordo que é melhor fazer assim. Mas um tipo pode sonhar.
Em suma: é uma antologia (sim, sendo quase tudo ficção eu chamo a isto antologia, mesmo com todas as ambiguidades dos almanaques) com interesse e falhas, que incluiu alguns bons contos, o que só por si faz com que a sua existência valha a pena.
Eis o que achei dos vários textos que constam do livro:
- Anúncios
- Calendário
- Horóscopo
- Décimo Nono Teste de Competência Robótica
- Carta Anónima
- O Vapor do Chique
- O Duelo que não Aconteceu
- Dicas Para Donas de Casa de Madame C.
- Insólito "Crime" nas Margens do Tejo
- Explosão da Fundição de Sinos
- Portugal e o Mundo Interior
- Um Dia na Vida do Intrépido Teófilo
- Quadragésima Quinta Demonstração Pública Anual da Academia Real de Ciências
- Este Nosso Vasto Mundo
- O Vapor e a Electricidade
- Obituário do Barão das Antas
- Crítica Literária de "O Intrépido Teófilo nas Ruínas do Cairo"
- Em Breve: "O Intrépido Teófilo no Rio Amazonas"
- Coração Atómico
- Colombo
- O Saque da Lampedusa
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