terça-feira, 19 de junho de 2012

Lido: Barroco Tropical

Barroco Tropical, romance de José Eduardo Agualusa, leva-nos a Luanda. Não à Luanda de hoje, mas à Luanda de um futuro próximo, numa Angola liderada por uma mulher (Agualusa nunca lhe dá nome, mas não me surpreenderia se ao escrevê-la tivesse em mente a filha do atual presidente, Isabel dos Santos), dividida entre o caos da corrupção social e política e arremedos interrompidos de desenvolvimento e de alguma megalomania. Os protagonistas são dois: Kianda, uma cantora "do regime" e tremendamente bem sucedida tanto em Angola como fora dela, e uma mulher problemática por natureza, e Bartolomeu Falcato, escritor e cineasta, talvez um pouco alter ego do próprio Agualusa.

O ambiente é, portanto, o de uma certa camada social angolana, que paira entre o mundo artístico e a elite política, com ocasionais incursões por faixas menos privilegiadas da sociedade. Kianda e Falcato são amantes, com uma relação que não é propriamente fácil, e boa parte do romance centra-se superficialmente nessa relação. Mas é só superficialmente, pois ela é afetada pelas pessoas com quem um e outro se vão cruzando, e estas pintam um colorido fresco das contradições e convulsões de toda uma sociedade. Agualusa utiliza a relação como coluna vertebral do romance, mas nunca é ela o que mais lhe interessa. Cavando um pouco mais fundo, para lá dessa camada narrativa superficial, encontram-se muitas outras coisas.

Entre essas coisas destaca-se um retrato sombrio de uma Angola futura, que vai vivendo sob uma espécie de ditadura mansa movida a petrodólares, na qual a violência e a barbárie se exercem com suavidade, quase com simpatia, com um sorriso nos lábios. Um retrato, também, de uma sociedade em desagregação, na qual as velhas superstições africanas se entrelaçam de forma tensa com uma modernidade e um desenvolvimento muito ligados ao exterior. Um retrato de uma sociedade dilacerada por cismas, na qual as questões colonial, racial e linguística continuam mal resolvidas. Um retrato distópico de uma sociedade, da sociedade do seu país, uma espécie de grito de alerta como quem diz "cuidado; é neste sentido que caminhamos." O mesmo grito de tantas outras distopias.

Barroco Tropical é um livro de ficção científica social, com muito de ciberpunk, mesmo que a tecnologia e o ciberespaço tenham nele um papel reduzido. É isto um paradoxo? É. Mas é um paradoxo perfeitamente resolúvel nesse continente de paradoxos que é África.

Mais: Barroco Tropical é um bom livro de ficção científica social. Muitíssimo bem escrito, muito bem idealizado e realizado, aqui e ali divertido, acolá a abrir portinholas para o horror, um horror bem concreto e por vezes a roçar (apenas a roçar) o sobrenatural. É por tudo isso um livro fascinante, que para mim mais fascinante se tornou por ser o primeiro livro angolano de FC que tive o prazer de ler, embora eu duvide que Agualusa o assuma como tal. Mas quer o assuma, quer não, é isso que ele é. E eu recomendo-o sem reservas. Muito bom.

Este livro foi comprado.

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