domingo, 3 de junho de 2012

Lido: Disney no Céu Entre os Dumbos

Disney no Céu Entre os Dumbos (bib.) é uma novela de ficção científica de João Barreiros e, diga-se desde já, talvez a melhor das novelas da FC portuguesa. É verdade que a nossa ficção científica não produziu lá muitas novelas ao longo da sua vida, não tão curta como às vezes parece. É certo que sempre pareceu preferir histórias menos extensas, o que se deve em parte às grandes limitações que sempre existiram nos veículos disponíveis para a divulgação de ficções mais longas, mas só em parte, como se comprova com a relativa escassez até de romances, tradicionalmente mais acarinhados pelo público do que a ficção curta. É um facto, até, que o autor mais prolífico nesta extensão é, precisamente, João Barreiros. Mas nada disto tira mérito a este Disney, um texto de qualidade seja qual for o critério usado para a avaliação.

A história acompanha a lenta desagregação de Marklin, um trabalhador ciborgue destacado para um asteroide, enquanto uma criatura alienígena, predatória como todos os ETs de Barreiros e apelidada de "dumbo" por possuir mais ou menos a forma daquela personagem da Disney, lhe vai bebendo as memórias. O dumbo que ataca Marklin é um renegado da sua espécie, uma fêmea paranoica, grávida de uma multidão de milhares de pequenos dumbos, que procura escapar-se ao controlo eugénico obrigatório, usado para limitar a população e evitar que ela expluda a cada geração. Perante ela, Marklin está tão indefeso como um rato encurralado por um gato, embora tente congeminar uma fuga em conluio com um rato holográfico de desenho animado, criado por um dos subsistemas da inteligência artificial do asteroide, que logrou furtar-se ao controlo do dumbo. Mas a desagregação da memória, e da sua própria individualidade, vai dificultar a tarefa.

É um texto imaginativo e escrito em bom ritmo, com diálogos em geral bons, ainda que as tiradas palavrosas tanto do rato holográfico como do dumbo acabem por se tornar um pouco irritantes (o que acontece também noutros textos de Barreiros). E dá pano para mangas, tanto no que toca à relação entre a memória e a individualidade, como nos vários simbolismos mais ou menos ocultos, mais ou menos evidentes, que se podem encontrar na patética impotência do protagonista em confronto com uma fêmea dominadora e com um outro invasor e mortífero. No contexto da obra de João Barreiros, esta novela é fulcral. Não creio que seja possível compreender por inteiro a generalidade das obsessões literárias do autor sem que seja lida.

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