Existe, na literatura fantástica contemporânea, um movimento retro bastante forte, corporizado em muito do steampunk que se vai fazendo e, em geral, em escritores que escrevem hoje usando estilos e temáticas do século XIX ou do princípio do século XX, englobando não só o já referido steampunk, mas também muita ficção de horror, lovecraftiana, neogótica, pastiches da ficção científica da época, por aí fora. Não é, confesso, das abordagens que eu mais aprecie, ainda que saiba reconhecer e consiga desfrutar de quando está bem feito, muito em especial quando existe uma razão forte para a emulação de textos passados. Em geral, contudo, prefiro quando os autores se conseguem (e querem) libertar dessa emulação; quando, sem renegarem influências ou heróis literários, preferem procurar ser eles próprios.
Vem isto a propósito deste conto de Daniel I. Dutra. Gary Johnson (bibliografia) é claramente um texto que procura emular a abordagem novecentista à ficção científica. Está lá tudo, todo o mancial de clichés: o cientista meio enlouquecido e solitário, autodidata, as experiências perigosas e eticamente reprováveis, o misticismo a imiscuir-se no mundo físico, o horror a surgir como consequência natural de a arrogância humana ir mexer onde não deve, o próprio texto parcialmente epistolar, muitos eteceteras. Lê-se este texto de Dutra e sentem-se as linhas que o ligam a obras como Frankenstein ou O Médico e o Monstro. Há, obviamente, quem goste. Já eu, não só não gosto muito como o exercício me parece arriscado, e por vários motivos: por um lado, os clichés devem ser manuseados com prudência para escapar à possibilidade de se aborrecer leitores com alguma sofisticação; por outro lado, o texto fica inevitavelmente antiquado; por outro ainda, e o que é mais importante, quem emula velhos e grandes escritores não consegue escapar à comparação... e sai-se dela quase sempre mal. Os clássicos são quase invariavelmente melhores, muito melhores.
É o que acontece com Dutra. Ele não faz mal o que se propõe fazer. O pastiche é credível, a história que conta está razoavelmente bem contada, muito embora me pareça que há aqui alguns problemas de ritmo narrativo, todo o conto tem ar de ter sido escrito lá pelos anos 10 ou 20 do século XX, o mais tardar. Mas não foi, e quando lemos sabemos que não foi. Por isso comparamos com os que foram, e a comparação não é muito favorável à obra moderna. Dutra poderia ter evitado uma colagem tão forte aos textos do passado se usasse de forma criativa alguns elementos anacrónicos; seria uma forma de transmitir ao leitor a ideia de que, sim, existe uma influência, mas não existe uma cópia. Infelizmente não o fez.
Não gostei deste conto. Não posso dizer que seja mau, mas não me agradou.
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