segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Edward Wellen: O Tijolo Dourado

É sempre difícil falar de uma história tão obviamente mal traduzida que até as pessoas menos sensíveis aos detalhes da tradução reparam que ela está mal traduzida. Será a história que é má ou será só a tradução? Será que os trechos que não fazem grande sentido já não o fazem no original, ou terá sido apenas o tradutor que não os compreendeu? Geralmente é difícil saber as respostas a estas interrogações (e outras do género) sem contrapor com o original, e isso torna difícil a formação de uma opinião.

As coisas complicam-se ainda mais quando o original tem características que tornariam sempre a tradução francamente complicada. Transpor para português a gíria militar americana, por exemplo, tentando conseguir um equilíbrio entre a cor do texto original e um texto português minimamente natural, é sempre uma valente dor de cabeça. E é precisamente esse o desafio que O Tijolo Dourado (bibliografia) impôs a quem o traduziu. O resultado não foi bom.

Esta história de Edward Wellen, uma novela, insere-se naquela corrente de ficções americanas pós-Vietname cujo tema comum é o absurdo da instituição militar. Protagonizada por um daqueles militares pouco amigos de ordens e hierarquias, arranca quando ele é apanhado por um superior hierárquico na cama com a mulher. Naturalmente, o superior cornudo trata de lhe fazer a folha, transferindo-o para a Décima Companhia Experimental. E o que é a Décima Companhia Experimental? Boa pergunta.

Boa pergunta porque ninguém parece saber. Ultrassecreto, claro. Mas mais que ultrassecreto, parece ser também ultraperigoso, pois a primeira coisa que acontece ao magala iconoclasta é ser levado para um pântano e abandonado numa ilha depois de lhe terem arrancado a pele das pontas dos dedos para o livrarem desses indícios comprometedores chamados impressões digitais. Isto foi escrito e publicado antes das análises ao ADN, claro. Sem perceber nada do que se está a passar, ele vai tentar regressar à civilização mas vê-se alvejado por um avião, e segue-se uma série de peripécias improváveis enquanto a paranoia vai em crescendo.

Lá pelo meio há umas referências razoavelmente vagas a aparelhos de FC, que suponho que terão servido de justificação para a integração desta história no género, embora o tom genérico esteja muito mais próximo de um Apocalypse Now do que de uma Guerra Sempre, para dar um exemplo de uma ficção científica muitíssimo relacionada com a guerra do Vietname. Até naquilo que se descobre que a Décima Companhia Experimental acaba por ser: uma fraude.

O resultado é bastante aborrecido, mas não posso garantir se o aborrecimento já vem de origem ou é criado na versão portuguesa. Há um certo tom onírico, ou talvez alucinatório que, se o texto correspondesse, podia ser bastante interessante... mas o texto não corresponde. Parece haver trechos em falta, e mais uma vez me vejo incapaz de decidir se isso se prende com problemas da edição portuguesa ou tem a ver com o onirismo da história. No fim, o que me ficou desta leitura foi a sensação de que foi longa em demasia e pouco mais. Mas não posso dizer que esta novela é má. Digo apenas que nesta edição não a recomendo.

Conto anterior desta publicação:

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