sábado, 18 de setembro de 2021

Fernão Mendes Pinto: Zeimoto Dá Primeira Espingarda aos Japões

O meu pai passou a vida a recomendar-me livros. Foi ele, de resto, quem me passou para as mãos os primeiros livros de ficção científica, o que o torna responsável por tudo isto, do blogue à vida que vivi até ao ano passado. Mas houve alguns livros que ele me recomendou e eu nunca li, por um motivo ou por outro. Na verdade era inevitável: as recomendações foram muitas e variadas. Mas alguns dos livros em falta são livros que eu sempre tive nos meus planos ler, mas por alguma razão nunca cheguei a transformar os planos em prática. Um desses livros é a Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto.

Bem, agora não posso dizer que já tenha lido o livro, mas pelo menos já não está todo por ler. É que este Zeimoto Dá Primeira Espingarda aos Japões é um excerto da Peregrinação, não só sobre o episódio a que o título faz referência, mas também sobre os acontecimentos que a ele levaram.

Não sei é se é representativo da Peregrinação como um todo, o que ajuda a fazer com que o livro do velho Fernão vá continuar nos planos de leitura. Trata-se de um excerto muito focado em acidentes de navegação, em batalhas e em desventuras, escrito em jeito de crónica de sucedidos verdadeiros ainda que por vezes a improbabilidade pareça ser muita, o que suponho que explique o título daquela peça que esteve em cena aqui há uns anos, Fernão, Mentes? Certo é que o que aqui se encontra é uma autêntica montanha-russa de sortes e azares, alianças feitas e desfeitas, diplomacias bem e mal sucedidas, piratarias e tempestades. E no fim, o episódio que dá título ao livro.

Aqui chegado eu, que já tinha lido o relato do primeiro encontro entre japoneses e portugueses visto pelo lado japonês, o qual retrata os nossos bravos lusitanos como um bando de bárbaros fedorentos e sem maneiras (mas com uns paus-de-fazer-fogo muito especiais), não consegui evitar o sorriso com as descrições de Fernão "Mentes" Pinto e a forma como ele apresenta os encontros como cerimónias obsequiosas em que os japoneses se vergam à natural superioridade dos marinheiros portugueses, "emissários d'el-Rei". Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto, sem dúvida, mas cheira-me (sim, é piadola) que existem também aqui diferenças de ponto de vista a influir na história, pois quem está convicto da sua superioridade, mesmo se malcheiroso, facilmente parte do princípio de que os demais a reconhecem tão claramente como ele próprio. O que é com grande frequência uma enorme ilusão.

Foi uma leitura curiosa, embora não rápida, que o português quinhentista tende a ser bastante enovelado, cheio de frases longas e sinuosas. E creio também que não foi uma boa representação do livro de Fernão Mendes Pinto, pois a sua natureza de conjunto de extratos dá-lhe um caráter um tanto ou quanto desconexo que suspeito que a obra completa não terá. Mas foi curiosa, sim, e percebi o fascínio que este livro tem exercido em gerações de leitores. Mesmo com exageros e visões enviesadas... ou talvez também por causa deles.

Este livro foi obtido, em PDF, no site da Biblioteca Digital Camões, aqui. Mas desde a época em que o obtive apareceram outras edições eletrónicas, melhores e relativamente fáceis de encontrar, tanto em PDF como em epub. É só procurar.

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