segunda-feira, 17 de maio de 2021

Mia Couto: O Retro-Camarada

Tudo me leva a crer que Mia Couto gargalhava interiormente sempre que assistia a algum exagero de "camaradismo" no seu Moçambique dos anos 80. Gente que não compreendia bem — ou de todo — a ideologia marxista mas apesar disso — ou por causa disso — procurava aplicá-la com um zelo fanático causava-lhe, tudo mo indica, uma irresistível vontade de rir. As provas, ou pelo menos os indícios, são os vários textos que neste livro ironizam com essa tendência. E o conto O Retro-Camarada, como de resto o título já indica, é mais um.

De parêntesis, não deixa de ser irónico que publique essas crónicas precisamente na Caminho, hoje em dia uma editora tão amorfa e capitalisticamente mesmista como todas as outras, engolida por um grande grupo empresarial do setor, mas na época declaradamente afeta ao PCP. Não era a única, mas mais que a Caminho só mesmo as Edições Avante. Fecha parêntesis.

Sim, o retro-camarada é um fanático. E o conto narra a forma como esse fanatismo inferniza a vida da família, até que — ironia das ironias — ele acaba vítima das suas contradições, em furiosa oposição a si próprio. Claro que há aqui alegoria, o que de resto é tudo menos incomum nestes contos-crónica de Mia Couto, e gozo, e humor, e uma história tão bem contada como é habitual. Um bom conto, este.

Textos anteriores deste livro:

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