sexta-feira, 21 de maio de 2021

Irmãos Grimm: João Jogador

Este conto deve ter o menor rácio conto/nota de todo este livro. Para quem não tem acompanhado estes comentários nem conhece o livro, eu explico: os Irmãos Grimm fizeram acompanhar todos (ou quase) os contos recolhidos nesta obra ou para ela recriados (ou simplesmente criados) de uma nota, mais ou menos extensa, onde explicam o que fizeram, onde encontraram o conto ou o material de base, e que parentescos nele encontram com outras histórias da literatura tradicional, tanto alemã como europeia em geral. E por vezes extraeuropeia. Ora aqui o conto João Jogador ocupa duas páginas e meia, mais ou menos. Já a nota, impressa numa letra significativamente mais pequena, ocupa 12.

Porquê tão extensa? Porque basicamente consiste de vários outros contos, originários deste ou daquele sítio, que relatam no essencial a mesma história de João Jogador ainda que com algumas variantes. Não é raro que os Irmãos Grimm referenciem este tipo de histórias aparentadas, bem pelo contrário, mas geralmente limitam-se a indicar onde divergem e onde convergem com a história que elegeram como principal. Aqui não; aqui apresentam-nas por extenso, e temos cinco ou seis contos pelo preço de um.

Não sei por que motivo resolveram eleger esta história em concreto para uma nota tão detalhada. Não me parece que seja uma história particularmente interessante; não é com toda a certeza um dos clássicos dos Grimm. Trata-se de um conto sobre os malefícios do jogo, protagonizado por um jogador de tal forma inveterado que nem Deus e São Pedro conseguem fazer alguma coisa dele.

Sim, o fundo cristão está muito presente, ainda que o material de base pareça ser significativamente mais antigo. Esta é daquelas histórias que parecem ter sido cooptadas pelos padres para servirem de auxiliares aos sermões, a fim de melhor passarem a lição moral aos paroquianos. Para o efeito, limpam-nas da maior parte dos elementos pagãos, ou pelo menos de uma parte significativa, e acrescentam-lhe elementos da mitologia judaico-cristã, em parte como substitutos, em parte como elementos novos. Há várias histórias assim neste livro, e em outras compilações de contos populares — incluindo as portuguesas — também se podem encontrar bastantes. Talvez seja em parte isso o que explica a existência de tantas variantes, e talvez seja essa a razão da extensão da nota. Não sei. Talvez.

Seja como for, o conto tem o seu interesse, mas este é mais sociológico do que literário. O interesse que desperta é mais em saber como chegou àquela forma final (no que tem de relativo falar-se de uma "forma final" na literatura popular) do que propriamente na história ou nas personagens. Também há vários contos assim neste livro. Este é mais um.

Contos anteriores deste livro:

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