Há na literatura algumas coisas que eu percebo ao mesmo tempo que não percebo, e uma delas é a tendência que tantos escritores parecem exibir para escrever modernamente segundo estilos e padrões antigos de séculos. Não me refiro propriamente ao pastiche, que traz sempre em si qualquer coisa de irónico, ou pelo menos de desafio. Refiro-me mesmo a autores que resolvem fazer de estilos antiquados a sua forma de expressão artística.
Percebo porque percebo a tentação de imitar (ou, vá, inspirarmo-nos em) aqueles artistas que admiramos. Acontece com todos os que criam qualquer coisa; a arte não surge no vácuo e todos somos (e vamos sendo sempre, que é processo que nunca termina) influenciados pela arte e pelos artistas com quem entramos em contacto. Mas ao mesmo tempo não percebo porque, bolas, afinal de contas estamos a escrever hoje, não no século XVIII ou coisa que o valha (ou, na FC, em 1950). E eu tenho muita dificuldade em compreender quem para no tempo, seja em que domínio for.
Já estão a ver onde isto vai dar, não estão? Sim, Daniel de Sá escreve praticamente como se fosse um autor do século XIX. Escreve bem, quanto a isso não há dúvidas, até porque a geração de escritores que parece tê-lo influenciado mais (Eça, Camilo, os autores do tardio romantismo português, etc.) foi bastante boa. Mas escreve como há muito não se escreve. Ou quase.
E é por isso que este A Paixão de Sóror Josefa do Menino Deus, conto em registo meio epistolar, pois é constituído principalmente por material alegadamente escrito pela própria Josefa, moçoila apaixonada que, por impossibilidade do amor, prefere recolher-se ao convento, se lê quase como algo escrito na primeira metade do século XIX. O cliché da situação, o açucaradíssimo romantismo, numerosos detalhes do próprio texto, tudo aponta para aí. E eu percebo e não percebo. E sim, também gosto e não gosto. Gosto do modo como o português sai tratado da empreitada mas do resto nem por isso. Estou muito longe de ser fã do romantismo literário, para começar, e voltar uma vez mais a contar esta história, já contada milhentas vezes por outros tantos autores, sem lhe acrescentar novidade alguma, parece-me muito desinteressante.
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