sábado, 25 de agosto de 2018

Lido: Os Sapatos Negros

Há certas histórias que satisfazem plenamente por motivos que à partida parecem indefiníveis, e com outras — em muito maior número — acontece o mesmo, mas pelo avesso: esses motivos indefiníveis levam a que as histórias não satisfaçam plenamente. Com o conto Os Sapatos Negros, de Carina Portugal, aconteceu não me satisfazer por inteiro, por motivos que a princípio não compreendi.

É que a história está bem escrita, é interessante e tem alguma sofisticação estrutural, com uma analepse a quebrar no sítio certo a linearidade do tempo narrativo. Não será uma obra-prima, mas é história que à partida deveria ser mais satisfatória do que acabou por ser. Uma história de horror com vagas influências lovecraftianas, que começa com uma tentativa falhada de invocar um monstro qualquer das profundezas do Tejo e se transforma depois numa história de perseguição e provável assassínio da rapariga responsável (inconscientemente) por a evocação ter falhado. Tudo bastante bem feito. Então porque foi que a história não me satisfez?

OK, há um certo tom de deus ex-machina na forma como as coisas correm bem a uma determinada personagem, mas não me parece que isso seja suficiente, pois as regras de um universo mágico como aquele que a história cria permitem-no. Fiquei na mesma. Tive de pensar. Depois descobri: faltam-me motivações. Falta-me o que faz mover aquele que procura invocar o monstro, falta-me perceber o que o liga a uma espécie de fantasma que surge junto a ele e o trata com um tom mal velado de ameaça. Falta-me essa informação, que nem subtilmente é sugerida, para que o conto conclua de forma realmente satisfatória. Podia ser um conto bastante bom, se me fornecesse essa conclusão; não fornecendo, julgo que se fica pelo mediano.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de idiotas. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.