Até ao final do ano passado, tinha passado o tempo quase todo a traduzir ficção, e o "quase" está aqui por causa de um par de álbuns de BD que também traduzi. Fantasia, sobretudo, mas também FC, romance histórico, história alternativa, horror (ou pelo menos fantasia sombria), por aí fora. No final do ano passado, isso mudou: traduzi o meu primeiro livro de não ficção.
E foi este, cuja capa está aqui ao lado e que foi publicado recentemente por uma das chancelas da Saída de Emergência. Animal não é nome mas sim a alcunha de um criminoso violento, filho de emigrantes açorianos no Massachusetts. O nome é Joe Barboza, com Z provavelmente porque se fosse S os americanos pronunciariam "barbossa" e como todos sabemos o S de barbosa diz-se Z. O Animal aqui biografado era um assassino a soldo com ligações à Máfia, que esteve profundamente envolvido na guerra do crime organizado que houve em Boston, e na Nova Inglaterra em geral, nos primeiros anos da década de 60 do século XX.
Na guerra do crime organizado e também na destruição desse mesmo crime organizado, na criação do Programa de Proteção de Testemunhas e numa série de escândalos que abalaram profundamente o FBI no último quartel do século XX. É que o nosso Animal teve uma vida muitíssimo colorida, o que de resto é hábito em quem mergulha no mundo do crime. Mas no caso de Joe Barboza terá provavelmente sido mais colorida do que a maioria.
E o autor deste livro, Casey Sherman, não se limita a acompanhar a vida do protagonista pelo meio de todas essas convulsões. Ele é o fio condutor, sim, mas Sherman não vira a cara às ramificações, às ligações mais ou menos próximas entre acontecimentos exteriores ao caminho que Joe Barboza seguiu do nascimento à morte e esse caminho propriamente dito. Fala, brevemente, dos antecedentes familiares e sociais, da comunidade, da vida das comunidades operárias, em grande medida compostas por imigrantes, na Nova Inglaterra ao longo do século XIX e do início do século XX, fala bastante da Máfia e dos gangues irlandeses de Boston e zonas limítrofes, fala do FBI, de J. Edgar Hoover e de Bobby Kennedy, por aí fora. Barboza é retratado como um peão de acontecimentos mais vastos, que o influenciam e que ele por sua vez influencia. Um peão que deixa um rasto de sangue por onde passa.
Este livro não é ficção, mas até podia ser. Ou por outra, retrata aquela realidade que inspirou muita da ficção literária e cinematográfica que temos visto e lido ao longo do último meio século. Com uma diferença de monta, pelo menos para nós: o protagonista é lusodescendente. Tudo isto torna-o bastante interessante e espero ter-lhe feito justiça com a minha tradução.
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