sábado, 7 de março de 2020

Prosper Mérimée: A Vênus de Ille

Apesar de se integrar literariamente no romantismo, na prosa de Prosper Mérimée algumas das características do movimento que mais me desagradam — e desagradam-me muito — não são muito acentuadas. Não há nele grande exagero de sentimentalismo, não há adjetivação em excesso; há um sentimentalismo algo comedido e uma exploração razoavelmente sensata dos temas típicos do romantismo fantástico (ou não fantástico). Isso mesmo se comprova neste A Vênus de Ille (bibliografia), uma noveleta sobre uma estátua diabólica.

Trata-se de uma daquelas histórias, comuns na ficção oitocentista, em que alguém vindo de fora, normalmente da cidade grande, chega a um lugar que lhe é desconhecido e geralmente pequeno e trava conhecimento com tradições, superstições e histórias locais. Muitas das histórias de fantasmas vitorianas são assim, por exemplo. Mas aqui não temos propriamente um fantasma; temos um protagonista-narrador vindo da cidade grande, sim, que aparece numa terreola distante, sim, mas o interesse dele é arqueológico. E o que encontra é a estátua de uma divindade, provavelmente romana, que tinha sido recentemente encontrada na vilória de Ille, a qual se situa nos Pirenéus franceses muito perto da fronteira com a Catalunha.

A estátua fascina o seu anfitrião, um proprietário local também interessado em arqueologia, que procura nele a validação das suas teorias uma vez que o considera uma espécie de colega dotado de conhecimentos mais sólidos sobre o tema. Mas também amedronta; várias pessoas afirmam sentir que dela é exalada qualquer coisa de maligno. E também há uns acontecimentos estranhos...

O pior, porém, está reservado para o filho do anfitrião, jovem de casamento marcado para aqueles dias, o qual, por conta de uma atitude irrefletida, vai despertar uma ligação fatal entre si e o que quer que de sobrenatural anima o bronze da estátua. Não é difícil a partir daqui deduzir o desfecho da história, mas não entrarei em detalhes.

Concluo dizendo apenas que embora tenha, como não podia deixar de ter, algumas daquelas características das ficções do romantismo que tendem a colidir violentamente com o meu gosto literário, esta história de Merimée dilui-as o suficiente para que a qualidade de tudo o resto venha (quase) plenamente ao de cima. É uma noveleta bastante boa, algo previsível mas não tanto como tantas outras histórias da época (i.e., e para dar um exemplo, se a tragédia é previsível, a forma concreta que ela toma é bastante inesperada), bem narrada e bastante bem escrita.

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