sexta-feira, 6 de março de 2020

Mia Couto: A Carta

É curioso como dois contos de Mia Couto integrados em dois livros bem diferentes e cuja publicação se distancia no tempo em várias décadas, um deles a assumir a sua condição de conto, o outro travestido de crónica, conseguem ter tanto em comum.

E é curioso também que os tenha lido quase um a seguir ao outro. Por puro acaso. Falo deste A Carta, claro, e de A Dona da Ausência, aqui comentado há dias.

Tal como no outro, também aqui o ambiente é guerreiro. Tal como no outro, também aqui uma mulher está no fulcro da narrativa. Tal como o outro também este conto é bastante curto, quatro páginas apenas. Também há algumas diferenças, naturalmente. O outro é um conto sobre relações de poder, este é um conto sobre saudade. O outro não tem elementos fantásticos que ultrapassem uma certa atmosfera vagamente mágica, de que Mia Couto nunca prescinde, neste a magia (ou telepatia, ou intuição, o que lhe queiram chamar) é pelo menos uma interpretação possível de um elemento do enredo. E mais algumas.

Uma dessas algumas é a tristeza. Este é um conto muito triste, um conto sobre a devastação da guerra. A carta do título é uma missiva de um filho guerreiro, a única, que o narrador lê repetidamente (alterando-a sempre) à mãe daquele. Até ao dia em que recebe a notícia que o filho morrera, notícia essa que não tem coragem de transmitir à mãe. Mas a mãe parece saber mesmo assim. O conto é muito bom. E muito "miacoutiano", também.

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