Mais um continho muito pequenino, sem chegar sequer a uma página, e também mais um conto a que os Irmãos Grimm não parece terem feito nenhuma alteração significativa. E mais um conto dirigido às crianças, servindo como história cautelar para os perigos dos poços. É que A Ondina vive num poço, e se as crianças lá caem acabam escravizadas e subalimentadas porque a ondina é má.
Esta é a história de duas crianças que aparentemente não sabiam que assim era. Um irmão e uma irmã, as duas caem ao poço, acabam escravizados pela ondina até que conseguem fugir graças a uma série de artes mágicas que não se sabe como adquiriram, num dia em que a ondina sai para ir à igreja. E é este pormenor o que o conto tem de mais interessante.
É que esta história é, muito claramente e como tantas outras, uma história de fundo pagão, muito anterior à chegada do cristianismo a terras germânicas (ou mesmo europeias, provavelmente). Ora, até agora encontrei três estratégias de sobrevivência para este tipo de história e esta foi o primeiro caso da terceira: continuar como se nada fosse, mantendo intactos os elementos pagãos; manter a estrutura da história intacta mas enchê-la de anjos e demónios e deus ex machina em substituição das criaturas mágicas de antanho; dar a entender que também estas criaturas são cristãs. Foi a estratégia seguida aqui: ao dizer que a ondina vai à igreja, a história está a dizer que até as criaturas mágicas dos poços (neste caso; podiam ser da floresta ou de qualquer outro lugar) obedecem aos preceitos do cristianismo, mesmo conservando todo o seu caráter maligno original. Et voilà: o padre ou pastor passa a ter menos um argumento para condenar estas "superstições do povo simples". Curioso.
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