segunda-feira, 22 de março de 2021

Irmãos Grimm: Irmão Jovial

Com o regresso dos contos de maiores dimensões, depois de uma série de continhos de uma página e picos ou menos, regressamos também aos contos em que os Irmãos Grimm não se limitaram a recolher material da tradição oral ou de publicações prévias, dando-lhe talvez alguns retoques estilistico-literários mas nada mais, mas compuseram contos que talvez sejam novos apesar de terem base em elementos que eles encontraram em histórias mais ou menos aparentadas e julgaram compatíveis.

Irmão Jovial é um soldado desmobilizado após o fim de uma guerra, que vagueia pelo mundo (ou, vá, pela Alemanha) em busca de algum modo de ganhar a vida. Nessas andanças depara com São Pedro, que lhe testa a bondade, e Jovial passa o teste tornando-se assim companheiro do santo sem saber que este o é. Mas vai-se apercebendo aos poucos de que o santo é milagreiro e depressa se torna evidente que acha uma parvoíce o companheiro ter tantos poderes maravilhosos sem deles tirar proveito, o que leva ao conflito entre os dois e à subsequente série de aventuras e desventuras.

Ao contrário de vários outros dos contos que se podem encontrar aqui e noutras compilações de histórias tradicionais de várias latitudes, mais ou menos fiéis aos originais, esta não me parece ser história originada em tempos ancestrais, pagãos, e recoberta por uma camada de mitologia cristã a fim de a tornar mais palatável para a Igreja. Parece-me ser história mais recente (não a história em concreto, que foi criada pelos Grimm, mas o material que lhe deu origem), criada provavelmente não muito antes de os Irmãos Grimm nela terem tropeçado. Histórias como O Suave Milagre, do nosso Eça, em que Jesus ou algum santo andam pelo mundo a testar a bondade, caridade ou qualquer outro atributo cristão dos mortais mostram um claro parentesco com ela, e muito me surpreenderia se a origem de ambas não estivesse nos sermões dos padres, ansiosos (pelo menos da boca para fora, há que dizê-lo) por incutir no seu rebanho a ideia de que há que praticar sempre as virtudes cristãs pois nunca se sabe quem poderá estar a ver.

Mas é uma história interessante, e uma bem-vinda variação face às curtíssimas e muito esquemáticas historiazinhas que têm sido o pão-nosso de cada dia ao longo das últimas páginas.

Contos anteriores deste livro:

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