domingo, 24 de fevereiro de 2013

Lido: O Ano do Apocalipse

O Ano do Apocalipse (bib.), de Brian Aldiss, é um título particularmente desastrado para um romance de ficção científica pós-apocalíptica, que no original se intitula apenas Greybeard (alcunha do protagonista), e cuja ação decorre quase toda muitas décadas depois de uma experiência nuclear mal sucedida ter resultado na esterilização da espécie humana, bem como da maior parte dos mamíferos de grande porte. O apocalipse a que o título se refere sucedeu na infância do protagonista, e o presente ficcional (entrecortado por algumas analepses que recuam até diferentes períodos da sua vida) vai encontrá-lo já cinquentão e envelhecido, rodeado pelos últimos restos semi-loucos de uma civilização e de uma espécie moribundas.

No início do romance, encontramos Greybeard numa pequena comunidade rural autossuficiente nas margens de um Tamisa regressado a um estado pouco menos que virgem, com a mulher e um punhado de outros velhos, muitos deles mais que um pouco senis. À volta da comunidade, a população humana brutalmente reduzida devolve à natureza (ainda que profundamente alterada) a primazia. E depressa acontece algo que o leva a partir de barco Tamisa abaixo, com a mulher e um grupo de amigos, num misto de fuga e de aventura.

É esta viagem que serve de pretexto para Aldiss nos mostrar um mundo em declínio e sem esperança porque esvaziado e totalmente despido de juventude. As pessoas quase se limitam a esperar a morte, plenamente conscientes de que esta chegará sem que exista alguém capaz de pegar na sua herança e continuá-la. O tom é soturno, sombrio, melancólico. Faz com frequência lembrar as cidades abandonadas de Ballard, mas de uma forma diferente; em Ballard as personagens perdidas no vazio humano são muitas vezes pessoas na flor da vida, ainda que solitárias. Pessoas capazes de fazer coisas. Aqui não. Aqui, o declínio da civilização é acompanhado a par e passo pelo declínio dos últimos seres humanos no planeta (ou pelo menos na Inglaterra, se bem que esta seja usada como microcosmo do mundo inteiro).

O enredo, na verdade, pouco importa. O Ano do Apocalipse é um romance de viagem em que a viagem e as suas peripécias são secundárias relativamente ao pano de fundo. O importante aqui é precisamente esse pano de fundo. O pano de fundo psicológico, o pano de fundo social, em certa medida (mas bastante menor) o pano de fundo científico. Os momentos de paragem, os períodos passados nas localidades ainda habitadas nas margens do Tamisa, a interação com as pessoas que o grupo vai encontrando pelo caminho, pouca importância têm, além de fornecerem outros tantos pretextos para que Aldiss nos desvende um pouco mais da ideia-base do livro.

E fá-lo bastante bem. O livro é bom, embora o final me tenha parecido um pouco forçado. É um livro sombrio com razão para o ser. Uma distopia com uma premissa e um desenvolvimento inteligentes, em especial tendo em conta os conhecimentos da época em que foi escrita (meados dos anos 60). Uma história exemplar, que acautela para os perigos inerentes a fazer experiências com forças que se conhecem mal, como quem diz "isto é o que pode acontecer se não tivermos cuidado e não refrearmos esta loucura." E numa época em que o mercado está saturado com a moda das distopias protagonizadas por jovens enérgicos e heroicos, ler um livro em que a juventude está ausente é, por paradoxal que pareça, uma lufada de ar fresco.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de abusadores. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.