Uma das grandes diferenças entre as grafias anteriores ao acordo ortográfico no Brasil e nos demais países é a prevalência de múltiplas grafias entre este conjunto de palavras cuja grafia sofre mudanças e que consta do Vocabulário da Mudança. Recorrendo à tal folha excel é fácil contá-las, e os números dificilmente podiam ser mais díspares. Na grafia portuguesa pré-AO só se contam 4, o que corresponde a uns muito insignificantes 0,06% do total. Na grafia brasileira pré-AO, no entanto, são 1334, 20,3% do total.
A explicação para isto não é tão evidente como pode parecer à primeira vista. Dir-se-ia que a manutenção das consoantes mudas na ortografia portuguesa permitia disfarçar até que ponto a pronúncia dessas consoantes varia entre os falantes da língua, variabilidade essa que é natural e inevitável quando a língua está em transição, como é o caso — o processo de perda das sequências consonantais na língua portuguesa é uma das mais persistentes tendências da língua, e está bem estudado.
As opiniões sobre se esse disfarce é bom ou mau divergem, e todas são, em princípio, legítimas, mas a verdade é que ele não explica tudo. Por exemplo: a numerosa família de palavras em que se inclui elétrico e eletricidade (são quase 200!) tinha, no Brasil, dupla grafia, elétrico e eléctrico, eletricidade e electricidade. Tinha no Brasil, e agora continua a ter em toda a lusofonia. Mas não me é claro porquê. Todos os brasileiros com quem falei me dizem que no Brasil só se usam as versões sem c, que as versões com c já nem sequer se ensinam na escola. Alguns manifestam completa estupefação quando são informados de que "electricidade" é uma grafia que as regras em vigor no seu país aceitam. Uma pesquisa no Google restrita aos sites dos domínios ".br" devolve 5 540 000 resultados para "eletricidade" e apenas 226 000 para "electricidade" (96,1% contra 3,9%, respetivamente). Para "elétrico" os resultados são 43 000 000, ao passo que para "eléctrico" não passam de 1 080 000 (97,5% contra 2,5%). E não se apressem a dizer que isto prova que os brasileiros também usam as grafias com c, ainda que muito minoritariamente; não se esqueçam de que essas eram as grafias oficiais nos demais países de língua portuguesa até à entrada em vigor da nova ortografia, de que há textos portugueses e de outros países lusófonos publicados em sites, blogues e fora brasileiros, e de que essa foi também a ortografia brasileira durante muitos anos. Antes da internet, é certo, mas a internet tende a conservar todas as variantes ortográficas devido à transcrição de documentos antigos. Experimentem procurar qualquer ortografia anterior a 1911 que certamente a encontrarão, algures, nesta grande biblioteca digital a que chamamos net. A menos que escolham alguma palavra particularmente obscura, presumo.
Ou seja, não compreendo por que motivo os brasileiros mantém "eléctrico" como variante legítima. Parece não ser usada por ninguém lá por aquelas bandas, nem em texto escrito, nem na oralidade. E como essas quase 200 palavras "elétricas", várias outras há, a aumentar de uma forma que à primeira vista me parece desnecessária o número de duplas grafias existentes na antiga ortografia brasileira. E, por extensão, na nova ortografia comum.
Será, talvez, um aspeto a rever?
Pois já revimos: tirámos as palavras eléctrico e derivadas com c do Vocabulário Comum da língua ( http://voc.cplp.org/index.php?sel=contain&action=simplesearch&base=form&query=el%C3%A9ctrica ). Quais são os outros casos similares que mencionas? Dize-nos que ajudarás a arrumarmos a grafia comum :)
ResponderEliminarBoa!
EliminarQuanto aos outros, já não me lembro. Fiz este trabalho de análise há três anos e entretanto dediquei-me a outras coisas; lembro-me vagamente de ter encontrado duas ou três palavras (ou grupos de palavras) que me pareceram estranhas por nunca as ter visto usadas por brasileiros, mas a esta distância não me recordo de quais eram. Lamento.