quinta-feira, 19 de maio de 2016

Lido: A Guerra dos Cibernautas

A Guerra dos Cibernautas é um digno representante da tradição mais pulp da ficção científica. Com origem na banda desenhada dos anos 30, o herói, Flash Gordon, criado por Alex Raymond, teve uma ilustre carreira por outros media, que incluiu passagens pelo cinema, pela televisão, tanto em imagem real como em desenhos animados (e sim, eu em miúdo era fã dos desenhos animados do Flash Gordon), até pela rádio e pelo teatro, e também por pequenos romances como este.

Que é, claro, um romancezinho muito mau.

E que, apesar de nesta edição portuguesa da Agência Portuguesa de Revistas vir creditado a Raymond, na verdade foi escrito por Bruce Cassiday.

Tudo começa quando se descobre um planeta à deriva, vindo de outra "constelação", em aproximação ao Sistema Solar. Sim, a incongruência astronómica, a utilização de termos científicos sem qualquer correspondência com os seus reais significados, é de regra. Fala-se de galáxias como se fossem coisas acessíveis e não os objetos quase incompreensivelmente longínquos que realmente são, fala-se de constelações como se fossem mais do que relações arbitrárias entre objetos celestes no céu da Terra, sem nenhuma realidade física subjacente, e por aí fora. Pulp, portanto.

Feita a descoberta, e depois de uma série de naves de exploração terem desaparecido misteriosamente nas imediações do planeta, lá vai o herói resolver o assunto, acompanhado pelo Doutor Zarkov, também personagem habitual nas aventuras de Gordon. E ao chegar ao planeta são imediatamente atacados por robôs que rodeiam o dito numa quase impenetrável camada defensiva. Com grande dificuldade, o herói lá salva a situação e consegue pousar no planeta, ainda que o verbo "cair" talvez tenha aqui uma aplicação mais acertada.

O que os dois terráqueos vão encontrar é um planeta em guerra total entre dois exércitos de robôs, os tais cibernautas do título. Sim, a palavra nada tem a ver com o significado que hoje lhe damos, o que em si mesmo é curioso. Após as previsíveis peripécias, o herói lá consegue chegar à fala com os mais importantes líderes do planeta, duas mulheres, ambas lindas, esculturais e desesperadamente carentes de homem que, como é evidente, não conseguem resistir ao macho terrestre e caem de quatro por ele, apesar de viverem rodeadas de homens... só que esses são ratos de laboratório, os técnicos que constroem e fazem a manutenção das máquinas de guerra, criaturas masculinas que nenhuma fêmea boazona digna desse nome se rebaixaria a olhar duas vezes. Credo, nerds, que nojo!

E no fim, claro, o herói (e o sub-herói) lá arranjam maneira de se safar para poderem prosseguir as aventuras noutra ocasião e noutras paragens exóticas. Como não poderia deixar de ser e como mandam os mandamentos do pulp.

Mas nem tudo é mau e desinteressante neste livro. Apesar de estar mal escrito, apesar da história básica, apesar do machismo, apesar de, tendo sido publicado em 1975, obedecer fielmente à receita das aventuras pulpescas e às características da personagem, estabelecidas quarenta anos antes, este livro contém uma crítica fortíssima e muito pouco subtil à irracionalidade da Guerra Fria. Os dois exércitos robóticos são uma clara alusão aos gigantescos exércitos soviético e americano do tempo, o planeta devastado é um aviso igualmente claro contra o que poderia acontecer se a esses exércitos fosse dada rédea solta, e a irracionalidade de tudo é sublinhada pelo final deprimente. À sua maneira tosca, este romancezinho despretensioso é um libelo pacifista. E essa foi a maior surpresa que tive ao lê-lo.

Mas a verdade é que há melhores. Há muito melhores, tanto na FC ocidental como nas ficções científicas polaca e soviética. Não é isso que salva o livro de ser mau.

Este livro foi-me oferecido por um amigo.

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