sábado, 8 de fevereiro de 2020

E. T. A. Hoffmann: O Homem da Areia

Foi com bastante surpresa que encontrei sinais de ficção científica nesta noveleta de E. T. A. Hoffmann, autor que sempre associei exclusivamente ao fantástico e sobretudo ao horror. Mas a verdade é que esses sinais existem n'O Homem da Areia (bibliografia), ainda que seja impossível falar deles sem incorrer nos famigerados SPOILERS, pelo que o caro leitor faça favor de se considerar prevenido.

A história, uma noveleta, é bastante típica do romantismo. Relata as oscilações passionais de um jovem endinheirado cuja sanidade mental é perturbada por uma estranha personagem, um tal Coppelius (ou mais tarde Coppola), que ele identifica como o monstro folclórico do Homem de Areia, uma espécie de híbrido entre o Homem do Saco e o João Pestana, e que culpa pela morte do pai.

Parcialmente contada de forma epistolar, a história segue as andanças desse jovem, sempre mergulhado em arrebatos exagerados de sentimentos, como era moda do romantismo. Até que a história se encaminha para o seu desfecho quando o jovem, agora universitário, conhece um tal professor Spalanzani, com o qual tem aulas de física e vem a descobrir que mora à frente do seu alojamento. E que tem uma filha, aparentemente, a qual surge por vezes na janela situada à frente da do seu quarto. E que ele dá em espiar. E por quem se perde de amores, claro está, apesar de ter deixado na terra natal uma apaixonada com quem é trocada parte da correspondência que surge na porção epistolar da noveleta.

É aqui que vai aparecer a ficção científica... e os spoilers.

O desfecho da história surge por intermédio de um baile e da sequência desse baile. O baile é organizado por Spalanzani e destina-se a apresentar a filha ao mundo, e o jovem protagonista, naturalmente, marca presença. Mais: passa a noite inteira a falar com a filha do professor, a qual lhe responde de uma forma desajeitada, mas ele, com a sua paixão arrebatada, acha-a encantadora. Toda a gente acha a mulher extraordinariamente estúpida, menos ele. Toda a gente comenta depreciativamente o seu comportamento invulgar, menos ele. Ele, cego e surdo para tudo, mas não mudo, acaba a pedi-la em casamento. Ao pai, que a moçoila mal responde às perguntas, ela sim, praticamente muda. O pai, eufórico, aceita.

E depois temos o desfecho de tudo, revelando-se que a jovem não é nenhuma jovem mas sim um autómato. Um robô, basicamente. Um ginoide. E assim se cruza nesta noveleta de Hoffmann, publicada apenas dois anos antes do célebre Frankenstein de Mary Shelley, o romantismo com a ficção científica, ainda bastante proto- mas já bem reconhecível. Basta isso para tornar a leitura de O Homem da Areia obrigatória para quem quer conhecer bem o género.

Textos anteriores deste livro:

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