Existe todo um subgénero na ficção científica que consiste em reinterpretar de forma tecnológica, frequentemente futurista, acontecimentos e personagens provenientes das mais variadas mitologias. É, de resto, uma ideia que não se resume à FC, pois também está na base de uma série de revisionismos pseudocientíficos, frequentemente de matriz racista (como ousam povos não brancos fazer coisas que os brancos não conseguem fazer?), entre os quais os mais conhecidos talvez sejam os Deuses Astronautas de von Däniken. Mas a FC fá-lo de uma forma incomparavelmente mais honesta; afinal de contas, quem chama ficção à ficção não está a tentar enganar ninguém.
É nesse subgénero que se insere este Os Historiadores. Neste conto, Ricardo Dias imagina uma nave capaz de viajar no tempo através de viagens no espaço, ideia que radica, obviamente, no conceito do tempo enquanto quarta dimensão de um universo tetradimensional, inerente às teorias de Einstein. Essa nave, apropriadamente chamada Star of Bethlehem, parte com uma missão: assistir ao nascimento de Jesus Cristo. E olhem, sabem que mais? Daqui em diante há SPOILERS.
A viagem, apadrinhada pelo Papa, não deixa de ser ao mesmo tempo polémica. É sempre polémico mexer-se nos dogmas, e quando existe a possibilidade de se assistir a uma verdade histórica diferente daquilo que os mitos defendem como verdade essa polémica só pode aumentar. É uma polémica de que Ricardo Dias não foge, o que é um ponto positivo, ainda que não a trate de forma particularmente convincente, sobretudo devido a uns diálogos que estão longe de serem os ideais.
Essa, na verdade, é a parte mais fraca de todo o conto. A outra face da moeda são as coisas que Dias faz bastante bem. A escolha do nome de Maria para a tripulante que mostra mais dúvidas quanto à missão, e depois vai levar ao seu desenlace através de atos nascidos de uma religiosidade atacada, é uma forma hábil de redirecionamento das atenções por forma a que o final acabe por ser surpreendente. E mesmo todos os indícios que vão sendo deixados de que a missão vai acabar por influenciar a história, que poderiam perfeitamente tê-la estragado, acabam por funcionar devido a esse redirecionamento e a essa surpresa.
Este é um conto entre o razoável mais e o bom. Com melhores diálogos seria claramente bom, com um português mais hábil (é competente mas pouco passa disso) poderia chegar ao muito bom. Mas mesmo assim está uns furos acima do que tenho lido nas publicações Fantasy & Co.
Este livro, como todos os publicados pela Fantasy & Co., pode ser descarregado a partir daqui.
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