quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Mário de Carvalho: Casos do Beco das Sardinheiras (#leiturtugas)

Em tempos que já lá vão, Mário de Carvalho foi fundamentalmente um escritor de literatura fantástica, ainda que daquela mais ancorada ao mainstream. O seu primeiro livro, Contos da Sétima Esfera, inclui alguns dos melhores contos fantásticos portugueses dos anos 80 e estes Casos do Beco das Sardinheiras (bibliografia), o livro seguinte, vão muito na mesma onda, ainda que numa faceta significativamente mais virada para o humor.

O Beco das Sardinheiras é um beco lisboeta muito peculiar. Não se trata propriamente de um daqueles lugares fora do espaço comum que todos habitamos, que tendem a aparecer com alguma frequência em várias formas de literatura fantástica, mas é um beco sui generis, onde acontecem as coisas mais bizarras. E é tão comum elas acontecerem que os habitantes já encaram as bizarrias do beco com a fleuma reservada para os pequenos incómodos do quotidiano. De resto, os próprios habitantes têm o seu quê de bizarro, ainda que se trate de um bizarro castiço, um bizarro que como que excreta lisboetice por cada poro.

É esse caráter castiço que dá boa parte da piada a estas histórias. Um pouco à semelhança dos bons malandros do Zambujal, estas personagens de Mário de Carvalho são especialistas em arranjar soluções inovadoras e despachadas para as pequenas e grandes complicações da vida. Desenrascam-se, em suma. Sem recorrer muito à malandragem, é certo, mas com um implacável desrespeito pelas regras. Isso dá-lhes interesse e graça, os quais são ampliados pelas próprias situações que lhes vão caindo em cima, por vezes literalmente. E por mais que confundam género humano com Manuel Germano.

Mas a mim, na verdade, o que mais agrada aqui é a imaginação. Não só a imaginação das situações em si mas a imaginação revelada pela forma como as personagens lhes dão a volta. A imaginação, essa condição superior do espírito humano e que tantas vezes falta a tanta literatura, é o que transforma várias destas histórias, de textos bons e divertidos, em verdadeiras delícias para os olhos de quem lê. Não a todas, é certo; numa compilação de contos quase nunca todos atingem o mesmo nível. Mas a muitas delas. E o resultado é um livro muito bom. Um belo exemplo de como o fantástico pode ser bem usado em português.

Eis o que achei de cada um dos contos:
Este livro foi comprado.

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