É sempre arriscado brincar com os géneros. Quando sai mal raramente sai só malzinho; tende a sair mesmo muito mal, gerando nacos de prosa (quando se trata de literatura; acontece mais ou menos o mesmo noutras artes) ridículas e por vezes quase ilegíveis. Mas os riscos têm uma característica curiosa: se é certo que é muito possível, ou até bastante provável, resultarem em catástrofe, não é menos certo que quando a coisa corre bem os resultados atingem lugares que sem se correr o risco nunca seriam atingidos.
(Na verdade, e agora que penso nisso, isto não se aplica só à arte, mas à vida em geral.)
Luiz Bras é daqueles escritores que gostam de correr riscos. Começa logo pelo risco básico que é a sua existência: Bras é o pseudónimo FC de um autor já com carreira nas letras extra-FC que um belo dia decidiu mandar os preconceitos do meio literário às urtigas e escrever ficção científica. E este Mecanismos Precários é o resultado de mais um desses riscos.
Como o anterior, também este conto vai mudando de feição à medida que vai progredindo. A princípio parece uma simples história de desavença conjugal, ainda que entrecortada por referências bélicas cada vez mais steampunk. Estas vão ganhando preponderância, chegando quase a transformar o conto numa narrativa steampunk convencional, até que de repente se estilhaçam numa narrativa metaficcional quando as personagens se dão conta de que estão a ser manipuladas pelo autor. Segue-se uma incómoda conversa na qual o autor explica às personagens parte da sua conceção da literatura, acabando por lhes propor que sejam elas a escolher o desenlace da história, ainda que de entre um conjunto limitado de opções.
Mas as personagens, parecendo aceitar uma das opções, levam sozinhas a história para outros lados, culminando-a de uma forma que não estava nos planos. E, como diz o Sérgio Godinho, veio-me à cabeça uma frase batida. Não a do Sérgio, outra: "Make love, not war".
Este conto não é para todos? Não, não é. Mas é para mim. Gostei muito dele.
Conto anterior deste livro:
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