sábado, 1 de janeiro de 2022

Bruce Sterling: Ivory Tower

A ficção científica sempre olhou acima de tudo para o presente. Sempre foram as questões contemporâneas a inspirar os autores e a despertar o interesse dos leitores, mesmo que por vezes elas cheguem recobertas de uma camada de aparente escapismo, e as histórias resultantes sempre estiveram imbuídas de pontos de vista e perspetivas existentes no momento em que foram escritas. Por outras palavras, sempre foi fundamentalmente uma ficção política, e muitas vezes foi também profundamente ideológica. E não, política e ideologia não são a mesma coisa. Trata-se de conceitos relacionados mas diferentes.

E a ficção científica de Bruce Sterling nunca destoou, claro. Bem pelo contrário. Sterling, que como se sabe é um dos criadores do ciberpunk, sempre encheu as suas histórias de reflexões completamente políticas sobre as formas como os computadores e as redes informáticas poderiam influenciar sociedades futuras, extrapolando as tendências que encontra no mundo que o rodeia.

Neste Ivory Tower, publicado em 2005, parte de uma perspetiva otimista sobre as redes, perspetiva essa que ainda era dominante nessa época. Lembremo-nos de que em 2005 o Facebook tinha um ano de idade, o Twitter ainda não existia e, embora já houvesse redes sociais, estas estavam ainda bastante mais próximas do espírito dos fóruns e mailing-lists que as precederam do que dos monstros estupidificantes e promotores de ódio em que acabaram por se transformar. No entanto, Sterling já utiliza o conceito de bolha, ainda que o trate de forma benigna.

O conto é um infodump, basicamente, ainda que o autor tenha a capacidade de o tornar interessante (ajuda que seja tão curto — uma vinheta). Um infodump em que se explica a génese de uma peculiar comunidade de pessoas sem instrução formal que no entanto souberam servir-se da informação encontrada na internet para aprender física (sobretudo) de nível superior. E para se encontrarem umas às outras e criarem uma espécie de torre de marfim de geniozinhos informais, uma sociedade autónoma e utópica para geeks externos ao sistema. Há ironia na ideia e na concretização, evidentemente, mas há também uma exploração muito interessante do que a grande auto-estrada da informação (lembram-se do termo? Esteve na moda durante uns tempos) poderia propiciar, e há também um olhar muito lúcido sobre as desigualdades económicas e as consequências que elas têm.

Ler este conto hoje, nos anos sombrios da sociedade pós-facebookiana, é bastante diferente de lê-lo em 2005. Deixa ficar um sabor a oportunidades perdidas, a deprimente interrogação sobre como deixámos que nos enfiassem neste buraco em que estamos metidos. Quem quiser lê-lo, pode encontrá-lo no site da Nature, aqui.

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