quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Luiz Bras: Memórias

O bonecreiro que está por trás do boneco Luiz Bras provavelmente saberá, mas vou dizê-lo mesmo assim: esta sua história é profundamente dickiana. De Philip K. Dick, evidentemente. E como não é possível falar dela sem a tal cena dos spoilers, quem for alérgico pode ficar por aqui e até à próxima. Os outros, venham daí.

Memórias começa em conflito. Parece ser apenas a história de uma mãe em fuga, metida em sarilhos, daqueles que metem polícia e armas de fogo, agravados pelo facto de parecer estar com Alzheimer. A primeira parte do conto é uma conversa entre mãe e filha, durante a qual esta tenta convencer aquela pousar a arma, a acalmar-se, a sentar-se e conversar, tentativa essa que não corre bem porque a "mulher mais velha" parece estar com falhas de memória.

Depois, o conto torna-se mais interessante.

Torna-se dickiano. Dickiano no sentido das personagens não poderem ter confiança na realidade que as rodeia (ou talvez nos seus próprios cérebros), porque há algo que não é o que parece. E dickiano no sentido de o enredo sofrer reviravoltas francamente inesperadas a um ritmo alucinante, forçando o leitor a reajustamentos contínuos na ideia que faz sobre a natureza do que está a ler.

O que é ótimo.

No fim, o conto revela-se ficção científica pura, baseado no hacking de cérebros, através do qual criminosos podem cometer crimes por interposta pessoa sem serem apanhados. Ou pelo menos reduzindo a possibilidade de serem apanhados, que a polícia não anda propriamente a ver passar navios. É uma ótima ideia, e muito bem executada. Mais uma história francamente boa do sr. Bras. Aplausos.

Contos anteriores deste livro:

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