Há muito de cliché nesta história de horror de Marcelo Galvão. A começar pelo protagonista, um médico que vai ver a sua racionalidade abalada pela irrupção súbita do sobrenatural na sua vida, e seguindo por aí fora, por uma série de pormenores e pormaiores que remetem diretamente para uma miríade de outras histórias de outros autores. Exemplo: o ambiente é o Haiti e, naturalmente, a história mete vudu.
Mas a verdade é que Sonho Ruim é uma história bem contada o suficiente para sustentar o interesse mesmo apesar de estar tão amarrada a outras histórias. Lê-se quase como um conto policial: há mortes misteriosas, e o médico é como que um detetive que vai tentar descobrir o assassino. Que este acabe por se revelar um monstro devorador de inocentes é detalhe. Um detalhe fundamental, claro.
Ou seja, o conto não é mau. É um conto razoável que se lê bem. Na verdade é perfeitamente possível que quem não esteja tão atento às referências como eu possa considerá-lo bom. Tem bom ritmo, o enredo funciona. Nada a apontar. Ou por outra, há mais uma coisa que eu queria mencionar.
Quando leio histórias destas vem-me sempre à cabeça uma interrogação para a qual não tenho resposta: estarão os autores conscientes do ataque ao racionalismo que lhes subjaz, ou quererão apenas contar uma boa história que obedeça a uma certa tradição que já vem pelo menos desde o século XIX? Acharão mesmo patética a descrença racionalista no sobrenatural, ou estarão simplesmente a usar um truque narrativo com provas dadas, que abre a possibilidade de criar sem grande esforço um impacto emocional mais intenso nas suas personagens (pois que coisa causará mais impacto do que um abalo em todo o nosso sistema filosófico), e por conseguinte, espera-se, nos seus leitores?
Ainda não consegui perceber, e talvez nuns casos seja uma coisa, noutros outra. Mas a interrogação surge-me sempre; esta vez não foi exceção.
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