Julgo que nunca tinha lido nada de Andrei Platónov, autor russo falecido em 1951, mas este O Regresso, publicado poucos anos antes da morte do autor, logo a seguir ao fim da Segunda Guerra Mundial, deixou-me muito bem impressionado. Trata-se de uma história de guerra, naturalmente, mas não no sentido mais próprio da expressão. É, antes, uma noveleta que trata das consequências da guerra na mais profunda intimidade dos que por ela passam. O protagonista é um soldado do Exército Vermelho que, finda a guerra, se vê desmobilizado e regressa a casa anos depois de ter partido para a frente. Vai encontrar uma família que quase não reconhece e que por sua vez quase não o reconhece a ele, uma família que, durante esses anos e devido às dificuldades inerentes ao estado de guerra, mudou profundamente, quase tanto como ele, e encontrou novas relações e papéis sociais. Platónov mostra tudo isto com enorme sensibilidade, numa prosa enxuta e muito eficaz, com personagens tridimensionais, contraditórias, absolutamente credíveis, e através dessa família mostra ao leitor toda a desagregação social que uma guerra total como aquela que a União Soviética travou contra a Alemanha vai provocar. Há muito de sombrio nesta história, e tem mesmo de haver numa história como esta. Mas nem tudo o é: o final é um raio de esperança, para o qual os dois filhos do protagonista são absolutamente fundamentais. Platónov como que nos diz que sim, foi duro, sim, foi terrível, sim, tudo ficou de pantanas, mas ainda há crianças, por mais traumatizadas que elas estejam, logo ainda há futuro.
Percebe-se que gostei mesmo muito desta noveleta? Ainda bem. Porque gostei mesmo. Muito.
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