Leio com regularidade coisas fora daquilo que mais me agrada e mais me desperta a curiosidade, e isto é algo que recomendo a todos. No entanto, como há muitas coisas, e muitos tipos diferentes de coisas, fora do que costuma agradar-me mais, acaba por não ser muito frequente repetir um género específico em sucessão mais ou menos rápida. Mas foi o que aconteceu com as biografias.
Bem, foi o que aconteceu... mais ou menos. Este livro é mais uma memória que uma biografia e a última biografia que li foi há três anos. Mas a verdade é que três anos de intervalo, para mim e para livros deste género, são muito pouco tempo, que se há coisa no mundo que me desperta pouca curiosidade são as vidas e as ideias dos ricos e famosos.
Por outro lado, na última biografia que tinha lido encontrei motivos de interesse suficientes para o considerar dos melhores livros do ano (aquilo ser, basicamente, uma longa carta de amor de um filho a um pai). Ora, se é praticamente certo que o mesmo não irá acontecer este ano com estas Memórias de uma Vida Inesperada, não deixa de ser também certo que também neste livro encontrei bastante mais do que as ruminações banais de uma privilegiada que temi durante bastante tempo vir a encontrar.
Não que não inclua as ruminações banais de uma privilegiada, essas coisas que constam de qualquer livro de memórias de pessoas como a mulher que veio a tornar-se Noor Al-Hussein, rainha da Jordânia. Mas o percurso de Noor é decididamente pouco convencional, o que em si mesmo tem algum interesse. Nascida nos Estados Unidos, filha de um descendente de imigrantes cristãos jordanos e de uma sueca, Lisa, assim se chamava antes de se converter ao Islão e se tornar rainha, viveu uma vida típica da alta burguesia liberal americana e o contraste e tensão entre essa vida e ideologia e o papel tradicional assumido com o casamento confere também algum interesse ao livro.
Mas o interesse maior não é esse. É geopolítico.
Noor foi rainha da Jordânia numa época especialmente conturbada no Médio Oriente. E qual é que não o é?, bem sei. Todas são, sim, mas há umas mais conturbadas que outras. E entre iniciativas de paz, sistematicamente sabotadas por alguém (quase sempre Israel, mas nem sempre), Intifada, crises e conflitos, mais ou menos abertos, golpes e revoluções, já para não falar de guerras como a guerra Irão-Iraque ou a invasão do Kuwait, a que se seguiu a primeira guerra do Iraque, a verdade é que ao reinado de Hussein não faltou animação geopolítica. E Noor, sendo quem é, tem a capacidade invulgar de fornecer um olhar árabe mas ocidentalizado sobre todos esses acontecimentos. Assume o ponto de vista jordano (o que não é equivalente a "árabe", atenção, mas será uma interpretação do ponto de vista árabe, com as suas especificidades próprias) de uma forma que o ocidente que queira lê-la possa compreender.
Claro, isto é intercalado com outras coisas que não me interessaram tanto (ou nada) mas certamente interessarão mais a outros leitores. A vida familiar, as suas crises, alegrias e desafios, o olhar dela sobre Hussein, a vida de jet-set, por aí fora. Tudo somado, trata-se de um livro que não figurará nos destaques do ano, mas me interessou mais do que eu esperava. É sempre bom quando isso acontece.
Se bem me lembro, este livro veio parar-me às mãos na sequência de um prémio que ganhei no velho fórum Filhos de Athena. Sim, vocês que sabem de que estou aqui a falar, ele estava para ler há esse tempo todo.
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