domingo, 3 de março de 2019

Lido: O Zimbro

Assassínio, canibalismo, inveja, prodígios sortidos, punição cruel perante a indiferença (ou até a alegria) de todos, O Zimbro é mais um conto tradicional carregadinho de bons sentimentos.

Ou não. Se calhar não.

Encontram-se aqui muitos elementos já conhecidos de outros contos. A mulher estéril que deseja muito ter um filho e só consegue tê-lo mediante um encantamento, por exemplo, encontramo-la nas histórias do Polegarzinho. A criança branca como a neve está, já crescida (e de outro sexo), na história da Branca de Neve. A madrasta má encontra-se numa série de histórias, algumas mais que famosas, e aqui vai além de maltratar os enteados, como é frequente, e mata o seu. Por ciúmes. Porque ele, e não a sua filha, era o primogénito do marido. E a cantiga do pássaro a revelar os crimes também aparece aqui e ali, embora neste momento não esteja a conseguir situar concretamente algum exemplo. Só resta o canibalismo, pois aqui a madrasta dá o filho a comer ao pai, sem que este o saiba, e isso é uma crueldade que talvez não seja inaudita mas é certamente incomum.

E tudo isto é natural. A reutilização de elementos, a canibalização de histórias, o troca e baralha e volta a dar das peças são comuns na evolução da literatura popular. O mais curioso é que o resultado surge por vezes muito bem construído, muito "redondo", literariamente bem feito, como se as peças tivessem sido criadas especificamente para esse resultado (o que normalmente não é verdade). E este conto é precisamente assim: um conto bastante bom, literariamente, que os Grimm, na sua nota habitual, afirmam ser inteiramente proveniente de uma só fonte, apesar de localizarem este elemento aqui, aquele ali.

Claro que, estando nós a falar dos Irmãos Grimm, não é de excluir a probabilidade de essa qualidade se dever mais a eles, mais à forma como retocaram e complementaram o material de base, do que propriamente a este. Mesmo quando, como neste caso, afirmam que o conto vem do sítio tal, sem fazerem nenhuma menção a alterações. Mas para quem lê isso pouco importa. Venha de onde vier a qualidade, ela existe. Este é um bom conto fantástico de crime e castigo.

Contos anteriores deste livro:

4 comentários:

  1. Da tragédia grega:
    https://en.wikipedia.org/wiki/Thyestes

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    1. Tem alguns pontos de contacto, sim, mas não é igual. É possível que provenha parcialmente daí, sendo alterado ao longo dos séculos. Há uma série de histórias tradicionais na Europa e não só que têm pelo menos parte das raízes nas histórias gregas e/ou do Médio Oriente. Nas suas notas, os Grimm falam disso de vez em quando, mas não tão frequentemente como talvez devessem.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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